A consciência do jornalismo seria a mesma coisa que fatura paga?
Descrição para cegos: ilustração
mostra uma TV apagada, sobre a qual há um cifrão preenchido por uma foto aérea
da floresta amazônica. |
Por Joana Belarmino (observadora credenciada)
Perdoem-me esse título que não é título, senão um desabafo indignado e desajeitado. Pois vamos aos fatos. Nesta segunda-feira à tarde, enquanto preparava minhas aulas da semana, a TV ligada ao fundo, para não perder os acontecimentos jornalísticos do dia, indignei-me com a exibição de uma propaganda no canal a cabo Globo News.
Era uma propaganda do governo federal, sobre medidas de proteção da Amazônia, com um desfecho que dizia: “Infrator da lei, aguarde, nós vamos te pegar”!
A minha primeira reação foi de espanto. Como assim? Por que a Globo News exibe esse tipo de propaganda? Eu me explico. A Globo News, na minha opinião, está entre os canais de comunicação que mais trabalharam pela candidatura de Bolsonaro. À época, a campanha feita pelas mídias comerciais era contra a candidatura de Fernando Haddad, naquele estilo de cobertura espetacular, em que se revisitou a fórmula do bem e do mal, sendo Bolsonaro, acreditem, vestido pela mídia como o bem, representante do liberalismo, das políticas de arrocho e pró-mercado, capaz de acabar com a “pecaminosa corrupção dos governos petistas”.
A mídia já havia colaborado decisivamente para a derrubada da presidenta Dilma, já se constituíra no braço central da operação Lava Jato, e agora empreendia o último passo da jornada rumo ao Brasil da “nova política”.
Essa lua de mel entre jornalismo e presidência durou pouco. A mídia, em alguns meses, lançou-se a uma cruzada crítica contra o bolsonarismo, num estilo que nos fez de novo sentir esperanças de que finalmente as comunicações tinham feito um pacto com a sociedade, com a defesa intransigente da democracia, da justiça, da distribuição de renda, com denúncia incisiva dos desmandos de um desgoverno feito por uma extrema direita rançosa e retrógada.
Sim, com quase o mesmo vigor da era Dilma, a Globo News combate o bolsonarismo em todas as suas vertentes: desmandos no meio ambiente, descasos na saúde, crime no combate à pandemia do Covid 19, escândalos de corrupção da família, discurso de ódio, enfim, em todos os dias, e em todos os programas, o combate é sistemático e vigoroso.
Então por que exibe a Globo News, uma propaganda mentirosa, um exemplar formidável dos fake news que o governo Bolsonaro produz?
Como podem conviver numa mesma emissora, num mesmo programa e horário, discursos tão antagônicos? Por que os jornalistas não assumem uma posição contra esse tipo de fake news que desmente em cores e imagens, todo o discurso de combate a um governo com uma lista tão longa de desmandos e crimes contra a sociedade, o meio ambiente, o clima do planeta?
Como jornalistas podem dormir com a consciência tranquila, sabendo que seus salários são pagos com a exortação da mentira, do crime e do desgoverno?
Chamem-me de ingênua, mas não me conformo com esse combate conveniente. À época da ditadura, jornalistas corajosos que protestavam contra a exceção e a censura, publicavam páginas em branco ou receitas de bolo, numa voz eloquente de indignação. Por que então os jornalistas de agora não protestam? Por que não se insubordinam com os setores comerciais de suas empresas, quando estes embalam mentiras e distribuem em horário nobre, depois da fatura paga?
Nenhum comentário:
Postar um comentário
Agradecemos seu comentário. Ele será publicado depois de submetido à moderação, regra adotada para evitar ofensas e spams.