quarta-feira, 2 de fevereiro de 2022

Violência e cobertura midiática: um caso para reflexão na TV de João Pessoa

Por Joana Belarmino (observadora credenciada)


Descrição para cegos: captura de tela do Bom Dia Paraíba de hoje. Mostra o carro incendiado com a pintura descascada pela ação do fogo, em uma área descampada, próximo a algumas árvores. À sombra destas, veem-se algumas pessoas e outros carros. Na parte inferior da imagem, aparecem a marca Bom Dia Paraíba (um sol nascendo e as letras PB), a hora da transmissão (6:58) e as legendas: “Violência na Capital” e “Dois corpos foram encontrados ao lado de carro incendiado”. No canto inferior direito, lê-se “Ao Vivo” sobre as marcas das TVs Cabo Branco e Paraíba.

Tenho assistido regularmente aos telejornais da TV Cabo Branco, sobretudo o Bom Dia Paraíba e o JPB 1ª edição. A cobertura, no geral, adota o jornalismo informativo, enquanto as críticas e reclamações são delegadas à audiência, que envia seus comentários via aplicativos de rede social, os quais são lidos na bancada dos telejornais.

Nada tenho contra o jornalismo informativo e o de serviços. Os gêneros são fundamentais para manter a sociedade informada. Falta, porém, nos telejornais assistidos, análise, argumentação, trabalho de compreender e apresentar a realidade das coberturas para além dos fatos do dia a dia, o que encaminha a audiência para uma espécie de banalização e “naturalização” dos acontecimentos. 

Veja-se, por exemplo, o caso da cobertura da violência na grande João Pessoa. Os dois telejornais apresentam notícias dramáticas. No noticiário dessa quarta-feira,2 de fevereiro, dois jovens tiveram o carro incendiado e foram executados com tiros nas cabeças. No bairro do Gramame, outro jovem foi perseguido e morto.

A cobertura nos apresenta uma coleção, como se esses acontecimentos fossem isolados. Não há argumentação, não há vínculo dessa situação, com a própria realidade de desigualdade, pobreza extrema, ausência dos governantes na implementação de políticas estruturais de acesso a bens e serviços nas comunidades de periferia. 

O mais incrível nessas coberturas, é que a “série histórica” que monitora o mapa da violência no estado, foi completamente esquecida pelo jornalismo da Cabo Branco. A série histórica, que era tão apreciada e tão difundida no noticiário local, à época do governo anterior, e que merecia manchetes e infografias, literalmente desapareceu do noticiário.

Tenho observado, já há algum tempo, que mudou a inflexão nos telejornais da Cabo Branco. Âncoras emprestam sua corporalidade, sua alegria, para fidelizarem a audiência e trazer um clima mais ameno ao noticiário, num período em que a realidade tem sido tão dura para todos. Esse tipo de cobertura forja uma espécie de “realidade editada” e sem muita substância com os acontecimentos diários vividos pela sociedade.

Nesse tipo de cobertura, as grandes perguntas foram esvaídas do jornalismo. De acordo com a “série histórica”, cresceram ou reduziram-se as estatísticas? Violência contra turistas, motivada por homofobia; assassinatos em plena via pública; incêndios a automóveis; assaltos; assaltos; assaltos; até quando o jornalismo local vai cobrir esses fatos como meras coleções? Até quando a cobertura ficará restrita à voz da autoridade policial? Até quando o jornalismo aplicará a esse tipo de crimes o carimbo mágico de “ligado ao tráfico de drogas”? Até quando o jornalismo fará silêncio com respeito a políticas de estado ou à falta delas? 

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