Sombras e réstias no semiárido
Descrição para cegos: capa do livro “Energia
Eólica: contratos, renda da terra e regularização fundiária”. Tem uma foto ocupando
todo o espaço onde aparece a bifurcação de duas largas estradas de terra, altas
torres com turbinas de geração de energia eólica dotadas de 3 longas pás, rede
de transmissão de eletricidade e um céu quase encoberto por nuvens. Sobre a
foto, os nomes dos autores e autoras, título e subtítulo da obra.
Por Carmélio Reynaldo (observador credenciado)
Réstias e
sombras nos confundem no processo de instalação de usinas de energias renováveis
no semiárido. Em um episódio do seriado Para Quem Sopram os Ventos,
produzido pela Regional 2 da Cáritas Brasileiras, o agricultor Simão Salgado da
Silva, de Caetés, Pernambuco, queixa-se do incômodo das sombras constantes das
pás da turbina de energia eólica instalada bem próximo do seu sítio,
referindo-se a elas como “réstias”.
Em se
tratando da implantação dos grandes empreendimentos de energias renováveis no
semiárido, essa confusão entre réstia e sombra eclipsou a percepção de todos e
todas, que ficamos na penumbra da falta de informação sobre os projetos.
Onde
imaginávamos réstias de luz sobre a pobreza e as carências das populações mais
desassistidas do Nordeste e pressupúnhamos geração limpa e não poluente de
energia através de métodos que salvariam o planeta dos gases e fuligem dos
modelos tradicionais, encontramos as sombras da falta de clareza em tudo que
envolve as usinas eólicas e solares – às quais se tenta emplacar a denominação
de “parques”, apelando para o eufemismo a fim de amenizar os impactos negativos
que provocam nas regiões onde são instaladas.
Embora de vez
em quando a imprensa trate do assunto apontando os problemas gerados pela
chegada dessas usinas, ainda prevalece no senso comum a percepção de que as
formas de produção dessas geradoras são um benefício para a região que sofre
com a irregularidade do regime de chuvas.
Na verdade,
a imprensa ainda está na penumbra do fenômeno e aqui indico um livro que pode
contribuir para clarear essa situação, recomendando-o não só para jornalistas,
mas também para gestores públicos e quem mais tiver interesse em aprender sobre
o assunto. Energia Eólica: Contratos, Renda da Terra e Regularização
Fundiária[1],
foi lançado ano passado pelo Projeto Dom Quixote – Pesquisa e Extensão, ligado
às universidades federais da Paraíba e de Pernambuco.
Reúne 10
artigos selecionados por Fernando Joaquim Ferreira Maia, Marcela Peixoto
Batista, Tarcísio Augusto Alves da Silva e Damián Copena Rodriguez abrangendo
não só os aspectos citados no título, mas também aspectos como impactos
ambientais, sociais e econômicos, os quais se revelam estar no sentido
contrário do prometido, inclusive no aspecto de geração de emprego, conforme constatado
no capítulo 7.
Nesse
capítulo, o professor Waldemar de Albuquerque Costa Neto, docente do Centro de
Ciências Jurídicas da UFPB, através de levantamentos na Plataforma Rais-Caged
do então Ministério da Economia, demonstra que é controverso que a implantação
dessas usinas tenha impacto significativo na geração de emprego formais nos
municípios que os acolhe. Ele comparou dados referentes aos municípios
paraibanos de Mataraca, Santa Luzia e São José do Sabugi, confrontando-os com
os dos municípios de João Câmara e Guamaré (RN), Beberibe (CE) e Caetité (BA). Levou
em conta os cenários de antes, durante e depois da implantação. “Ao final, por
meio da verificação parcial das hipóteses, foi possível identificar correlações
pouco significativas e, na comparação com alguns cenários propostos, constatar
redução nos níveis de empregabilidade”, afirma o autor.
Apesar de se
tratar de uma obra produzida por pesquisadores da área das Ciências Jurídicas, a
abrangência do livro do Projeto Dom Quixote é ampla e fundamenta denúncias que
o Comitê de Energia Renovável do Semiárido – o Cersa – ecoa, há quase uma
década, tentando abrir os olhos de gestores, órgãos e movimentos ambientais.
[1] Editora
Lumen Juris, disponível no site https://lumenjuris.com.br/search/1?searchText=energia%20e%C3%B3lica
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