segunda-feira, 7 de agosto de 2023

Energias renováveis

Sombras e réstias no semiárido









Descrição para cegos: capa do livro “Energia Eólica: contratos, renda da terra e regularização fundiária”. Tem uma foto ocupando todo o espaço onde aparece a bifurcação de duas largas estradas de terra, altas torres com turbinas de geração de energia eólica dotadas de 3 longas pás, rede de transmissão de eletricidade e um céu quase encoberto por nuvens. Sobre a foto, os nomes dos autores e autoras, título e subtítulo da obra.


Por Carmélio Reynaldo (observador credenciado)

Réstias e sombras nos confundem no processo de instalação de usinas de energias renováveis no semiárido. Em um episódio do seriado Para Quem Sopram os Ventos, produzido pela Regional 2 da Cáritas Brasileiras, o agricultor Simão Salgado da Silva, de Caetés, Pernambuco, queixa-se do incômodo das sombras constantes das pás da turbina de energia eólica instalada bem próximo do seu sítio, referindo-se a elas como “réstias”.

Em se tratando da implantação dos grandes empreendimentos de energias renováveis no semiárido, essa confusão entre réstia e sombra eclipsou a percepção de todos e todas, que ficamos na penumbra da falta de informação sobre os projetos.

Onde imaginávamos réstias de luz sobre a pobreza e as carências das populações mais desassistidas do Nordeste e pressupúnhamos geração limpa e não poluente de energia através de métodos que salvariam o planeta dos gases e fuligem dos modelos tradicionais, encontramos as sombras da falta de clareza em tudo que envolve as usinas eólicas e solares – às quais se tenta emplacar a denominação de “parques”, apelando para o eufemismo a fim de amenizar os impactos negativos que provocam nas regiões onde são instaladas.

Embora de vez em quando a imprensa trate do assunto apontando os problemas gerados pela chegada dessas usinas, ainda prevalece no senso comum a percepção de que as formas de produção dessas geradoras são um benefício para a região que sofre com a irregularidade do regime de chuvas.

Na verdade, a imprensa ainda está na penumbra do fenômeno e aqui indico um livro que pode contribuir para clarear essa situação, recomendando-o não só para jornalistas, mas também para gestores públicos e quem mais tiver interesse em aprender sobre o assunto. Energia Eólica: Contratos, Renda da Terra e Regularização Fundiária[1], foi lançado ano passado pelo Projeto Dom Quixote – Pesquisa e Extensão, ligado às universidades federais da Paraíba e de Pernambuco.

Reúne 10 artigos selecionados por Fernando Joaquim Ferreira Maia, Marcela Peixoto Batista, Tarcísio Augusto Alves da Silva e Damián Copena Rodriguez abrangendo não só os aspectos citados no título, mas também aspectos como impactos ambientais, sociais e econômicos, os quais se revelam estar no sentido contrário do prometido, inclusive no aspecto de geração de emprego, conforme constatado no capítulo 7.

Nesse capítulo, o professor Waldemar de Albuquerque Costa Neto, docente do Centro de Ciências Jurídicas da UFPB, através de levantamentos na Plataforma Rais-Caged do então Ministério da Economia, demonstra que é controverso que a implantação dessas usinas tenha impacto significativo na geração de emprego formais nos municípios que os acolhe. Ele comparou dados referentes aos municípios paraibanos de Mataraca, Santa Luzia e São José do Sabugi, confrontando-os com os dos municípios de João Câmara e Guamaré (RN), Beberibe (CE) e Caetité (BA). Levou em conta os cenários de antes, durante e depois da implantação. “Ao final, por meio da verificação parcial das hipóteses, foi possível identificar correlações pouco significativas e, na comparação com alguns cenários propostos, constatar redução nos níveis de empregabilidade”, afirma o autor.

Apesar de se tratar de uma obra produzida por pesquisadores da área das Ciências Jurídicas, a abrangência do livro do Projeto Dom Quixote é ampla e fundamenta denúncias que o Comitê de Energia Renovável do Semiárido – o Cersa – ecoa, há quase uma década, tentando abrir os olhos de gestores, órgãos e movimentos ambientais.



[1] Editora Lumen Juris, disponível no site https://lumenjuris.com.br/search/1?searchText=energia%20e%C3%B3lica

 

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