Programas policialescos são jornalísticos?
Por Mabel Dias* (observadora credenciada)
10 de
dezembro celebramos os 75 anos da Declaração Universal dos Direitos Humanos e,
no Brasil, programas que violam direitos são exibidos no horário do almoço,
desrespeitando leis brasileiras e a dignidade humana. Por que esses programas continuam
no ar, mesmo afrontando direitos humanos?
Desrespeito à
presunção de inocência, exposição indevida de pessoas, desrespeito a decisões
judiciais, tortura psicológica e tratamento desumano ou degradante, exibição de
adolescentes e crianças vítimas de violência. Estas são algumas das violações
de direitos encontradas nos programas policialescos, transmitidos pela maioria
das emissoras de TV brasileiras, nacional e regionalmente. O conceito
policialesco foi elaborado pela pesquisadora Suzana Varjão, que significa
“programas que divulgam violência e criminalidade, apartados do horizonte ético
que guia a prática jornalística”. As violações citadas no início deste texto
foram encontradas em programas na TV e no rádio, em todas as regiões do Brasil,
monitorados por pesquisadoras/es durante 30 dias, e fazem parte de um estudo
realizado em 2015 e 2016, publicado no Guia de
Monitoramento de Mídia Brasileira, coordenado pela Agência Nacional dos
Direitos da Infância (Andi), Intervozes, Ministério Público Federal e Ong Artigo
19.
Os programas
policialescos, ou policiais, como preferem alguns estudiosos do tema, surgiram
na década de 1960, popularizados na TV, e tiveram um boom em 1990,
puxados pelo Aqui, Agora, exibido pelo SBT de 1995 a 1997. Seguindo o
exemplo desse policialesco, emissoras regionais, afiliadas às principais
emissoras brasileiras, como Band, Rede TV! e SBT, copiaram a fórmula, e
produzem programas, que vão ar em horário nobre. Algumas emissoras, como a
paraibana Arapuan, conta em sua grade televisiva com três programas
policialescos: um, às 6h da manhã; outro ao meio dia e o último, veiculado às
18h. A emissora da Paraíba que deu o start na veiculação desses produtos
foi a Tambaú, com o Caso de Polícia.
Estes
programas são exibidos nesses horários, quando se registra a maior audiência na
TV. As pessoas ainda estão em casa, saindo ou chegando para o café, almoço ou
jantar, e as estratégias usadas pelos empresários das emissoras comerciais,
como música de suspense, vinhetas de sirene de carro de polícia, gritos,
gesticulações de apresentadores, atraem a atenção dos telespectadores, que
ficam “grudados” na telinha, esperando a informação (?) sobre o crime que
aconteceu em determinado bairro, principalmente os periféricos, das cidades
brasileiras. Coloco interrogação na palavra informação porque há
questionamentos se esses programas podem ser considerados jornalísticos. Há
pesquisadores que dizem que sim. O argumento é que a audiência dos
policialescos busca neles o meio de se informar sobre o que acontece no bairro
e na cidade onde moram. Outros, como Jaime Patias apontam que os policialescos
podem ser classificados como telejornais. Para Davi Romão, que estudou os
programas Brasil Urgente (Band), Cidade Alerta (RecordTV) e Balanço
Geral (Record TV), esses programas apresentam três categorias importantes,
que podem nos ajudar a compreender como opera o modelo de negócios. Visão de
mundo policial, sensacionalismo e aparência de credibilidade e autoridade, esta
última caracterizada pela roupa, postura e imposição de voz dos apresentadores.
Porém,
continuo com a interrogação se esses programas podem ser considerados
informativos para a sociedade, pois mesmo que se utilizem de práticas
jornalísticas, podemos encontrar a presença de conteúdo desinformativo nas
notícias divulgadas por seus apresentadores e repórteres e a ausência de ética
no momento de divulgar as informações que coletam, principalmente nos casos de
violência contra as mulheres, feminicídios, violência contra crianças e
adolescentes e naquelas em que há envolvimento de adolescentes em conflito com
a lei.
Além disso, há
a apresentação de soluções rasas para o combate à violência, como se um
problema tão complexo como esse pudesse ser resolvido com pena de morte, por
exemplo, como defendem alguns dos apresentadores e repórteres desses programas.
O vale tudo em busca de audiência e do lucro passa por cima da lei, como o
Código Brasileiro de Telecomunicações e o Regulamento dos Serviços de
Radiodifusão, da Constituição Federal, dos tratados internacionais, assinados
pelo Brasil, como a Convenção pela Eliminação de Todas as Formas de Violência
contra a Mulher, o Código de Ética dos Jornalistas Brasileiro e o Estatuto da
Criança e do Adolescente, Lei nº 8.069/1990.
A Constituição
Federal, no capítulo que trata sobre Comunicação Social, diz em seu artigo 221,
que “os programas na TV devem ter um caráter educativo, informativo e
cultural”. Os programas policialescos se encaixam nessa descrição? Então, por que
mesmo violando leis, direitos humanos e desinformando, ainda continuam no ar?
*Mabel Dias é jornalista, mestra em Comunicação pela UFPB, associada ao Intervozes - Coletivo Brasil de Comunicação Social, observadora credenciada do Observatório Paraibano de Jornalismo e coordenadora adjunta do FINDAC. Autora do livro A desinformação e a violação aos direitos humanos das mulheres: um estudo de caso do programa Alerta Nacional, publicado pela editora Arribaçã e selo Anayde Beiriz.
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