A estética do policialesco chegou nas plataformas digitais
Descrição para cegos: ilustração reúne vários tipos de cursores
apontando para o centro da figura. |
Por Mabel Dias (observadora credenciada)
“Uma câmera na mão, e uma ideia na cabeça.” Esta frase, dita pelo cineasta Glauber Rocha em meados dos anos 60, agora, ganha uma nova versão na era das plataformas digitais: um celular na mão e uma ideia na cabeça.
Porém, em alguns casos, a ideia nem sempre é muito boa e o vale tudo para ganhar seguidores e likes é a máxima adotada – e incentivada - pelas redes sociais.
Um produto que se multiplicou em todas as regiões do Brasil e faz parte da programação de quase todas as principais emissoras de TV do país, incluindo a Paraíba, ganhou novas versões nas plataformas. Na Paraíba, é a TV Oitizeiro, um “canal” onde são divulgados vídeos e fotos dos principais acontecimentos policiais que acontecem, principalmente em João Pessoa. Apesar do nome da rede referir-se a um bairro da capital, Oitizeiro, a proposta da plataforma é informar (?) aos seus seguidores sobre o que acontece em toda a Paraíba, com foco no noticiário policial.
E não há critérios na seleção das imagens. São fotos, vídeos de pessoas assassinadas, acidentes de moto, atropelamento por carros. A estética do “mundo cão”, que dava o tom dos programas policialescos nas décadas de 60 e 70, vem sendo ressuscitada por programas como o de Sikêra Jr, na Rede TV!, e nas plataformas digitais, por perfis como o da TV Oitizeiro.
Coletivos, jornalistas, pesquisadores e professores da área da comunicação questionam se os policialescos podem ser considerados programas jornalísticos. E os perfis nas plataformas digitais, como a TV Oitizeiro no instagram, podem ser considerados informativos? O espetáculo informa ou desinforma?
Um vídeo divulgado por eles semana passada foi uma briga entre duas travestis, no centro de João Pessoa. As pessoas que gravaram, em nenhum momento, preocuparam-se em separar as duas mulheres, que estavam se agredindo e correndo o risco de serem atropeladas, pois estavam na rua.
As redes sociais deram protagonismo às pessoas, retirando da mídia corporativa o monopólio da informação. Elas tornaram-se repórteres, fazendo qualquer coisa para aparecer na TV ou nas redes digitais, mesmo que os vídeos e fotos enviados mostrem pessoas em risco, mortas ou cenas de assassinatos. O importante é postar e chegar ao topo de seguidores, compartilhamentos e curtidas, sem se importar com a dignidade, privacidade, respeito, a ética e as consequências que estes conteúdos podem causar.
Um projeto de lei que propõe responsabilizar as plataformas digitais no Brasil está tramitando no Congresso Nacional. É o 2630/2020, que institui a Lei Brasileira de Liberdade, Responsabilidade e Transparência na Internet, mais conhecido como PL da Fake News. No entanto, ele não trata apenas desse problema. É mais uma frente de batalha que o movimento pelo direito à comunicação encampou e que precisa ser aprovado para evitar que conteúdos violadores, como os propagados pela TV Oitizeiro, continuem na internet. Para conhecer mais sobre o PL e as suas discussões no parlamento brasileiro, compartilho um artigo de Paulo Victor Melo e Tatiana Stroppa. (Clique aqui)
Se as plataformas digitais surgiram com a proposta de democratizar a comunicação, não podem permitir que conteúdos violentos, discurso de ódio e desinformação sigam dando o tom das publicações. Se os meios de comunicação tradicionais devem ser regulamentados, as plataformas também precisam e elas não podem fazer isso de maneira autocrática.
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