O desserviço do jornalismo declaratório nos programas policialescos da Paraíba
Mabel Dias (observadora credenciada)*
O jornalismo
declaratório tem sido constante nos telejornais na Paraíba. E nos programas
policialescos a situação é ainda mais grave. Na última quinta-feira, 11 de
janeiro, o Cidade Alerta PB, transmitido pela TV Correio, afiliada à
RecordTV, trouxe a informação que dois jovens tinham sido assassinados em
Mamanguape na véspera. A notícia foi dada pela repórter Gláucia Araújo, que
gravou um stand up, na Central de
Polícia, em João Pessoa. A única fonte entrevistada foi a polícia, afirmando
que os dois rapazes assassinados, de apenas 20 anos, tinham “envolvimento com o
tráfico de drogas”.
Durante a
narração da repórter, foi exibida a imagem de um dos supostos jovens
assassinados. Digo suposto por que a equipe do programa não o identificou e não
é possível saber de quem se trata. Ainda pior, foi a exibição da imagem do
rapaz, ligando-o ao tráfico de drogas, sem ter entrevistado alguma pessoa da
sua família para saber quem era ele, o que fazia e o que aconteceu para chegar
a tal situação. Uma violação da presunção de inocência, direito previsto na
Constituição Brasileira. Foi brutalmente assassinado e ainda teve sua imagem divulgada,
relacionando-o ao tráfico, sem direito a defesa.
“Envolvimento
com tráfico de drogas”, “participava de facção criminosa”, estas têm sido as
explicações frequentes das forças de segurança na Paraíba para justificar o
assassinato da juventude periférica no estado. E, infelizmente, a mídia
paraibana copia e cola a informação, sem fazer o trabalho de checagem, sem
apurar os fatos, trazendo uma única fonte da notícia. Isso é o jornalismo
declaratório, prejudicial para a compreensão da sociedade sobre um problema tão
grave como a violência urbana. Como apontam as professoras Nataly Queiroz e
Patrícia Paixão, em seu artigo Petróleo derramado e jornalismo esvaziado,
publicado na revista Continente, a dependência das fontes oficiais e o
uso exarcebado do jornalismo declaratório constituem um risco para o próprio
jornalismo e um desserviço à população.
“Obviamente,
essas fontes são indispensáveis. Mas, ao dar espaço privilegiado a tais atores,
os veículos reforçam seu espaço de poder e ao não promover o confronto de
ideias com outros segmentos sociais, com igual espaço de fala, legitimam as
declarações oficiais como a verdade dos fatos. Tal prática é nociva ao direito
à informação e à comunicação.”
O Cidade
Alerta da TV Correio é cópia da versão nacional, apresentado por Luiz Bacci,
transmitido pela RecordTV, que já foi alvo de diversos processos por divulgar
conteúdo fabricado e sensacionalista. Em uma das reportagens exibidas, o
apresentador acusou um homem de ter violentado sexualmente a enteada. A
apuração revelou, porém, que a menina havia morrido por causa de uma infecção
no pulmão. O apresentador e a emissora foram processados e condenados. No
processo, alegaram que a fonte que utilizaram para se informar foi a polícia
civil.
É regra básica
do jornalismo: ouvir todos os lados de uma história. Mesmo que os dois jovens
tivessem envolvimento com o tráfico ou fossem usuários de drogas, isso não pode
ser dito pela imprensa como justificativa para seus assassinatos. Ao final da
participação da repórter, o apresentador Jomar Brandão, citou trechos da bíblia
para explicar a brutalidade dos assassinatos. Vamos então defender a barbárie e
pregar “olho por olho, dente por dente?”.
É importante
que a mídia paraibana faça o seu trabalho investigativo para não cair em
violações de direitos e de leis brasileiras, como tem sido frequente,
principalmente, nos programas policialescos. Se há o envolvimento com o
tráfico, é porque algo errado está acontecendo, e a juventude está pagando com
a vida. Em particular, a negra e periférica. Os programas policialescos são
produtos que violam diariamente os direitos humanos e a legislação relacionada
à radiodifusão no Brasil. Segundo a Constituição Federal, no capítulo dedicado
à Comunicação Social, a programação das emissoras brasileiras deve ter um
conteúdo educativo, cultural e informativo. Você vê isso nesses programas? Se
sua resposta for sim, os policialescos deveriam estar no ar?
*Mabel Dias é jornalista, mestra em Comunicação pela UFPB, associada ao Coletivo Intervozes, observadora credenciada do Observatório Paraibano de Jornalismo e doutoranda em Comunicação pela UFPE.
Excelente reflexão e contribuição para a democracia Mabel
ResponderExcluir