domingo, 14 de janeiro de 2024

O desserviço do jornalismo declaratório nos programas policialescos da Paraíba

Descrição para cegos: imagem de uma mão aberta com a palma para frente na cor vermelha. O fundo é branco com um leve degradê para rosa nas bordas superiores. Sobre a imagem da mão, há um texto em letras maiúsculas na cor vermelha que diz: "Pelo fim dos programas policialescos!"

Mabel Dias (observadora credenciada)*

O jornalismo declaratório tem sido constante nos telejornais na Paraíba. E nos programas policialescos a situação é ainda mais grave. Na última quinta-feira, 11 de janeiro, o Cidade Alerta PB, transmitido pela TV Correio, afiliada à RecordTV, trouxe a informação que dois jovens tinham sido assassinados em Mamanguape na véspera. A notícia foi dada pela repórter Gláucia Araújo, que gravou um stand up, na Central de Polícia, em João Pessoa. A única fonte entrevistada foi a polícia, afirmando que os dois rapazes assassinados, de apenas 20 anos, tinham “envolvimento com o tráfico de drogas”.

Durante a narração da repórter, foi exibida a imagem de um dos supostos jovens assassinados. Digo suposto por que a equipe do programa não o identificou e não é possível saber de quem se trata. Ainda pior, foi a exibição da imagem do rapaz, ligando-o ao tráfico de drogas, sem ter entrevistado alguma pessoa da sua família para saber quem era ele, o que fazia e o que aconteceu para chegar a tal situação. Uma violação da presunção de inocência, direito previsto na Constituição Brasileira. Foi brutalmente assassinado e ainda teve sua imagem divulgada, relacionando-o ao tráfico, sem direito a defesa.

“Envolvimento com tráfico de drogas”, “participava de facção criminosa”, estas têm sido as explicações frequentes das forças de segurança na Paraíba para justificar o assassinato da juventude periférica no estado. E, infelizmente, a mídia paraibana copia e cola a informação, sem fazer o trabalho de checagem, sem apurar os fatos, trazendo uma única fonte da notícia. Isso é o jornalismo declaratório, prejudicial para a compreensão da sociedade sobre um problema tão grave como a violência urbana. Como apontam as professoras Nataly Queiroz e Patrícia Paixão, em seu artigo Petróleo derramado e jornalismo esvaziado, publicado na revista Continente, a dependência das fontes oficiais e o uso exarcebado do jornalismo declaratório constituem um risco para o próprio jornalismo e um desserviço à população.

“Obviamente, essas fontes são indispensáveis. Mas, ao dar espaço privilegiado a tais atores, os veículos reforçam seu espaço de poder e ao não promover o confronto de ideias com outros segmentos sociais, com igual espaço de fala, legitimam as declarações oficiais como a verdade dos fatos. Tal prática é nociva ao direito à informação e à comunicação.”

O Cidade Alerta da TV Correio é cópia da versão nacional, apresentado por Luiz Bacci, transmitido pela RecordTV, que já foi alvo de diversos processos por divulgar conteúdo fabricado e sensacionalista. Em uma das reportagens exibidas, o apresentador acusou um homem de ter violentado sexualmente a enteada. A apuração revelou, porém, que a menina havia morrido por causa de uma infecção no pulmão. O apresentador e a emissora foram processados e condenados. No processo, alegaram que a fonte que utilizaram para se informar foi a polícia civil.

É regra básica do jornalismo: ouvir todos os lados de uma história. Mesmo que os dois jovens tivessem envolvimento com o tráfico ou fossem usuários de drogas, isso não pode ser dito pela imprensa como justificativa para seus assassinatos. Ao final da participação da repórter, o apresentador Jomar Brandão, citou trechos da bíblia para explicar a brutalidade dos assassinatos. Vamos então defender a barbárie e pregar “olho por olho, dente por dente?”.

É importante que a mídia paraibana faça o seu trabalho investigativo para não cair em violações de direitos e de leis brasileiras, como tem sido frequente, principalmente, nos programas policialescos. Se há o envolvimento com o tráfico, é porque algo errado está acontecendo, e a juventude está pagando com a vida. Em particular, a negra e periférica. Os programas policialescos são produtos que violam diariamente os direitos humanos e a legislação relacionada à radiodifusão no Brasil. Segundo a Constituição Federal, no capítulo dedicado à Comunicação Social, a programação das emissoras brasileiras deve ter um conteúdo educativo, cultural e informativo. Você vê isso nesses programas? Se sua resposta for sim, os policialescos deveriam estar no ar?


*Mabel Dias é jornalista, mestra em Comunicação pela UFPB, associada ao Coletivo Intervozes, observadora credenciada do Observatório Paraibano de Jornalismo e doutoranda em Comunicação pela UFPE.

Um comentário:

  1. Excelente reflexão e contribuição para a democracia Mabel

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