sexta-feira, 14 de junho de 2024

OBSERVATÓRIO DEBATE

Jornalismo e Literatura na Paraíba: uma relação muito ocasional

Descrição para cegos: foto mostra participantes da entrevista em uma mesa retangular, ocupando os lados maiores. No da direita estão Antonio Mariano e André Aguiar; no da esquerda, Joana Belarmino e Romarta Ferreira. Sobre a mesa, quatro microfones, copos e garrafas com água. Ao fundo, vê-se uma TV que exibe a marca do Observatório

Literatura Paraibana e Cobertura Jornalística: existe visibilidade na imprensa para a produção local na literatura? Este foi o mote central do “Observatório Debate” desta semana, em programa que subiu ao canal do OPJor na última quarta-feira à tarde.

Conduzido pela professora Joana Belarmino, o programa levou à bancada três integrantes do Clube do Conto da Paraíba: a escritora Romarta Ferreira e os escritores André Ricardo Aguiar e Antônio Mariano. Romarta e André também são jornalistas.

O debate foi alimentado por um levantamento inicial realizado nos principais portais jornalísticos, onde se constata que a Literatura quase não tem pauta na imprensa local, e quando aparece, é por meio de notas curtas, divulgação de algum lançamento, notícias que estão comprimidas nas editorias de cultura ou de arte e entretenimento.

“A relação entre a imprensa e a Literatura paraibana é ocasional, a mídia valoriza muito mais os grandes espetáculos como shows”, comentou Romarta Ferreira. Para Antônio Mariano, autor de sete livros já publicados e um em processo de publicação, a imprensa já deu mais espaço aos escritores. Lembra-se da cobertura dada ao lançamento do seu primeiro livro, “O dia em que comemos Maria Dulce”, publicado nos anos 90. Para André Aguiar, autor de dez livros publicados e com uma trajetória bem sucedida na literatura infantojuvenil, hoje os escritores apostam nas redes sociais para sua própria divulgação.

Os debatedores concordaram, entretanto, que a relação imprensa e Literatura precisa ser de mão dupla. “Os escritores precisam bater às portas da mídia e se fazerem visíveis”, disse Antônio Mariano.

Já nos portais independentes, a Literatura tem mais espaço. Romarta Ferreira lembrou do importante trabalho de divulgação de escritores locais através do Diário de Vanguarda, assim como pelo portal Paraíba Criativa, que mantém uma página dedicada à literatura paraibana

 

Correio das Artes e sua longa relação com a Literatura

Os escritores fizeram como que uma espécie de homenagem ao caderno de cultura do Jornal A União, e ao seu suplemento “Correio das Artes”, onde, afirmaram, a Literatura paraibana tem espaço relevante. Falaram da longa vida do Correio das Artes, que há várias décadas mantém-se firme no único jornal que ainda circula em modo impresso na Paraíba. Reafirmaram a importância do suplemento  para a cultura e as artes, com reconhecido valor não apenas na Paraíba, mas em âmbito nacional.

 

Jornalismo e Literatura: dois campos que se entrelaçam

O debate caminhou para as especialidades do jornalismo, e de como a Literatura e o próprio campo jornalístico estão entrelaçados. Convocados a falar enquanto leitores de jornal, destacaram a falta de grandes reportagens nos portais locais, e concordaram com a afirmação corrente no debate universitário, de que a prática da grande reportagem é importante ferramenta para dar qualidade e profundidade ao jornalismo.

André Aguiar lembrou que os acontecimentos do jornalismo diário também são um campo fértil para a narrativa literária. Mariano recordou que em um dos seus contos, o principal personagem é um jornalista.

 

Clube do Conto da Paraíba: vinte anos de amor pela Literatura

A parte final do Observatório Debate fez uma homenagem ao Clube do Conto da Paraíba, fundado nos idos de 2004, pelo escritor Antônio Mariano, a historiadora e escritora Dora Limeira, agregando depois nomes importantes da Literatura local, como Marília Arnaud, Wellington Pereira, Ronaldo Monte, Geraldo Maciel e tantos outros.

Nada foi planejado. Mas a agenda do estúdio bateu com a data de aniversário do Clube. Então a conversa fluiu solta e alegre. Vieram as recordações de Mariano, do tempo da fundação. Romarta, há quinze anos frequentando a “casa”, como ela mesma identifica o clube, trouxe os números desses vinte anos: três coletâneas publicadas e uma a caminho.

André Aguiar, que também incursiona agora pelo mercado editorial, através da editora Dromedário, falou do novo livro. “É o livro de homenagem a esses vinte anos. Estamos com uma vaquinha no Catarse, e quem cooperar não vai se arrepender”.

Segundo Aguiar, além dos 42 autores publicados, o livro trará memórias como as atas das reuniões do clube do conto, “atas que são narrativas saborosas, loucas, divertidas...”.

O Clube do Conto conta atualmente com mais de 70 integrantes. O seu capital não é financeiro. Suas vigas são o as do afeto, da convivialidade e do amor pela narrativa literária. O Clube também não tem sede própria. Reúne-se aos sábados, em local a combinar, muitas vezes no terraço da casa de Maria Valéria Rezende, a escritora premiada que integra o clube quase desde a sua fundação.

Antônio Mariano finalizou o debate lembrando os membros do Clube que já partiram. José Brenand, Geraldo Maciel, Dora Limeira, Ronaldo Monte, vidas e legados que sedimentam a força do Clube do Conto para os novos integrantes que chegam.

Clique aqui para assistir ao programa.

segunda-feira, 3 de junho de 2024

Feminicídio: imprensa paraibana ancora-se no jornalismo declaratório

Descrição para cegos: foto de tecido branco onde está pintada em letras de forma cor de sangue a frase
 “Nos queremos vivas”

Por Mabel Dias (observadora credenciada)*

Duas mulheres foram assassinadas no bairro João Paulo II, em João Pessoa, na noite de domingo (2). O autor do crime é o policial penal Osmany de Moraes Pereira, que foi candidato a vereador nas eleições 2020, pelo Avante.

A notícia foi divulgada por todos os portais de João Pessoa e da Paraíba, no entanto, a maioria não cita que o que aconteceu na casa onde moravam as mulheres, foi um feminicídio. Um desses sites, o Repórter PB, traz no título “duplo homicídio” e no lead da matéria, refere-se ao duplo feminicídio como “um trágico incidente”. Mais uma vez, o jornalismo declaratório entra em cena na mídia paraibana, e repete o que as fontes oficiais, como a polícia, informam. Não há contextualização nem questionamentos aos policiais de que o crime se trata de um feminicídio. Apenas o Paraíba Feminina, de responsabilidade da jornalista Tatyana Valéria, usa o termo feminicídio para classificar, corretamente o que aconteceu.

Os nomes das mulheres assassinadas também não são divulgados, e em alguns portais, como o G1PB, do grupo Globo, não tem a foto nem o nome do policial penal. A maioria dos portais repete o release divulgado pela assessoria da Polícia Militar. Novamente, feminicídio é tratado apenas na esfera policial e como “crise conjugal”. Nesta segunda-feira (3), o G1PB, publicou foto e os nomes das mulheres assassinadas, mas deixou para a fonte policial classificar o crime como duplo feminicídio.

O Instituto Patrícia Galvão lançou em 2016 o manual Feminicídio na Mídia, em que analisa a cobertura da imprensa sobre os casos de violência sexual contra mulheres (cisgêneras, travestis e transgêneras) e os feminicídios no Brasil. Foram analisados, durante seis meses, 71 veículos representativos das cinco regiões brasileiras. Na Paraíba, foram analisados o site MaisPB e o Paraíba Online. Em 2016, a Lei do Feminicídio (13.104/2015) já havia completado um ano e foi sancionada pela presidenta da República Dilma Rousseff. Naquele período, as pesquisadoras do manual já identificavam o silenciamento por parte da mídia sobre o uso do termo “feminicídio”, mesmo a lei já estando em vigor. O resultado da pesquisa revelou que a mídia fazia uma cobertura individualizada, factual e com enquadramento policial.

“Entre 2015 e 2016, é possível afirmar que, em relação à cobertura dos assassinatos de mulheres, prevaleciam matérias sobre a morte em si, sem informações sobre quem era aquela mulher, se já havia buscado ajuda, recorrido ao Estado para se defender de violências anteriores, se a vítima tinha medida protetiva…”

Quando as reportagens informavam que se tratava de um feminicídio, havia um romanceamento do caso, sem responsabilizar o autor do crime e apontando como causas, “ciúmes”, “violenta emoção”, “defesa da honra”, o autor estava “fora de si”, “transtornado”. É um discurso, segundo a pesquisadora Marina Sanematsu, responsável pelo manual Feminicídio na Mídia, que transfere a culpa para a mulher, por seu comportamento e atitudes.

Quando as mulheres negras são as vítimas de feminicídio, há violações de seus direitos. “Em 15% das matérias ilustradas por imagens de vítimas houve exibição de corpos – em sua maioria de mulheres negras – sem qualquer tratamento adequado. Quando isso ocorre, é importante ressaltar que, além do vilipêndio pela crueldade da morte, há a revitimização pela exposição midiática”.

Um caso que ilustra bem esta situação aconteceu em 2017, quando o periódico sensacionalista Aqui PE, do grupo Diários Associados em Pernambuco, publicou na capa do jornal impresso a foto da genitália de uma moça negra que havia acabado de ser assassinada pelo “companheiro”, em uma rua do Recife Antigo. As professoras Ana Veloso e Patrícia Paixão analisaram o caso no artigo Violações de direitos humanos na mídia: o caso Diana no Jornal Aqui PE.

Elas identificaram que o periódico reflete as relações de poder estabelecidas historicamente na mídia brasileira, reproduzindo cultural e simbolicamente, o patriarcalismo, o racismo e o classismo. A violação de direitos praticada pelo AQUI PE foi levada pelas professoras, que fazem parte do Coletivo Intervozes, ao Ministério Público Estadual de Pernambuco, que instalou um inquérito civil, e determinou uma série de medidas em relação ao jornal, como reparação pelo dano causado a moça assassinada e que teve suas partes íntimas expostas na capa do jornal; retratação publicada na capa do periódico; realização de reportagens sobre os direitos da população negra; apoio na realização de um seminário sobre direito à comunicação para jornalistas, estudantes e a sociedade em geral e a divulgação de uma campanha nas redes sociais do jornal sobre direitos humanos.

Na Paraíba, a Secretaria de Estado da Mulher e da Diversidade Humana, em parceria com o Intervozes – Coletivo Brasil de Comunicação Social, o Observatório Paraibano de Jornalismo e a Rede de Atenção às Mulheres em Situação de Violência Doméstica (REAMCAV), elaboraram um manual para a imprensa paraibana, com orientações para uma cobertura ética e humanizada dos casos de feminicídio e de violência contra as mulheres. Com um olhar atento, as entidades perceberam que o enquadramento adotado pela imprensa paraibana (TV, rádio, sites, blogs) é policialesco, omitindo informações e culpabilizando as mulheres pela violência que sofreram.

Já são nove anos que a Lei do Feminícidio existe no Brasil e que a pesquisa do Instituto Patrícia Galvão foi publicada. Nesse sentido, não é mais possível que a mídia paraibana siga omitindo a sua existência, deixando de exercer a sua responsabilidade e compromisso com o combate à violência contra as mulheres.

 *Mabel Dias é jornalista, mestra em Comunicação pela UFPB, feminista, integrante do Coletivo Intervozes, doutoranda em Comunicação pela UFPE e autora do livro “A desinformação e a violação aos direitos humanos das mulheres: um estudo de caso do programa Alerta Nacional”, da editora Arribaçã, e coleção Anayde Beiriz.

quinta-feira, 30 de maio de 2024

OBSERVATÓRIO DEBATE

Ambientalista adverte: nova lei fragiliza defesa de João Pessoa contra inundações

Descrição para cegos: foto do urbanista Marco Suassuna falando ao microfone durante a entrevista

Arquiteto e urbanista, estudioso dos problemas ambientais, o professor Marco Suassuna adverte que a redução da área de solo permeável na cidade, recentemente aprovada na Câmara de Vereadores, fragiliza as defesas naturais de João Pessoa contra alagamentos e inundações.

A advertência foi feita na última quarta-feira (29) durante entrevista de Suassuna ao Observatório Debate, programa do Observatório Paraibano de Jornalismo (OPJor) transmitido pelo YouTube. Segundo o ambientalista, muitas capitais brasileiras preservam em 20% o percentual de solo permeável obrigatório nas construções urbanas.

Na capital paraibana, a mudança na legislação sobre uso do solo permite reduzir para até 5% o percentual de área permeável, limitando-se em 15% o máximo de espaço destinado à capacidade da terra de absorver o excesso de água que, sem essa ‘esponja’, acumula-se e sobe na superfície para causar destruição e mortes.

Graduado em Arquitetura e Urbanismo na Faculdades Unidas de Pernambuco (Faupe), Marco Suassuna é também Mestre pelo Programa de Pós-Graduação em Desenvolvimento e Meio Ambiente (Prodema, da Universidade Federal da Paraíba) e Doutor em Arquitetura e Urbanismo pela Universidade Federal do Rio Grande Norte (UFRN).

Com esses títulos acadêmicos, Suassuna aprofundou pesquisas e atuação nas áreas de Planejamento Urbano, Desenho Urbano, Urbanismo Sustentável e Habitação Social. É também um dos fundadores e atual coordenador do Coletivo Urbanicidade, que se empenha por um “urbanismo colaborativo que pensa a cidade de forma propositiva”.

Clique aqui para assistir, na íntegra, à entrevista de Marco Suassuna ao Observatório Debate.


terça-feira, 7 de maio de 2024

Liberdade de imprensa, violência contra jornalistas e diploma

Descrição para cegos: imagem mostra um microfone dos usados por jornalistas de TV e, sobre ele, 3 círculos cortados por uma cruz, insinuando um alvo ou a mira de uma arma.

Por Fernando Patriota (jornalista e produtor cultural)

Um estudo da Organização Repórteres sem Fronteiras revelou que o Brasil subiu dez posições no ranking de liberdade de imprensa, ficando na posição 82 entre 180 países avaliados. O levantamento, divulgado na sexta-feira passada (3), também revelou que os desafios, como violência contra jornalistas e desinformação permanecem presentes e precisam ser enfrentados, pelas instâncias governamentais e organizações representativas da categoria, e o diploma de Jornalismo é fundamental e deve ser obrigatório.

Em 2021, o Brasil atingiu seu pior índice e ficou em 111ª posição e entrou na chamada zona vermelha, a segunda pior do ranking. Agora, o país se situou na zona laranja clara, a terceira melhor. O relatório também destacou que 100 repórteres palestinos foram mortos na Faixa de Gaza e na Cisjordânia, pelo menos 22 deles enquanto exerciam a profissão.

“O novo governo de Luiz Inácio Lula da Silva traz de volta uma normalização das relações entre as organizações estatais e a imprensa, após o mandato de Jair Bolsonaro marcado por uma hostilidade permanente ao jornalismo”, disse o relatório. A liberdade de imprensa é um dos pilares fundamentais de qualquer democracia saudável. Infelizmente, durante o governo Bolsonaro, houve um aumento alarmante nos casos de violência contra jornalistas e ataques à liberdade de imprensa em todos os estados da federação.

Durante quatro anos de governo Bolsonaro foi adotada uma retórica hostil em relação à imprensa, rotulando veículos de comunicação críticos como ‘fake news’ e desqualificando o trabalho dos jornalistas. Devido a essa postura foi criado um ambiente propício para a escalada da violência contra profissionais da mídia, difícil de ser desfeito. O relatório da Organização Repórteres sem Fronteiras ainda afirma que a desinformação intoxica o debate público. “O Brasil continua muito polarizado e os ataques contra a imprensa, que se tornaram comuns nas redes sociais, abriram caminho para agressões físicas contra jornalistas”, diz o estudo.

Para alguns observadores, Lula fortaleceu a democracia brasileira ao permitir uma imprensa mais livre, com a disposição para enfrentar perguntas difíceis em entrevistas coletivas e sua tolerância a críticas públicas. Além disso, apontam para políticas que promoveram a diversidade e a pluralidade na mídia, como o incentivo à criação de novos veículos de comunicação e a expansão do acesso à internet. Contudo, o presidente precisa colocar em pauta o fortalecimento das mídias alternativas e trabalhar junto à Câmara dos Deputados a obrigatoriedade do diploma de Jornalismo para o exercício da profissão. Essa matéria (PEC 206/12) já foi aprovada no Senado, em dois turnos.

Para a diretora científica da Sociedade Brasileira de Estudos Interdisciplinares da Comunicação, Iluska Coutinho, a volta do diploma para jornalista é fundamental. “Os processos de descredibilização, o avanço da desinformação e a violência têm ligação com processo de perda de confiança e de qualidade decorrentes da queda da exigência do diploma para atuação como jornalista, que ocorreu em 2009. Aliás, a regulamentação do exercício profissional se relaciona com outra muito urgente: a regulamentação das plataformas digitais, essa em tramitação no Congresso Nacional”, destacou.


quinta-feira, 4 de abril de 2024

OBSERVATÓRIO DEBATE

Laerte Cerqueira: jornalismo profissional

é obrigado a combater desinformação

Descrição para cegos: foto de Laerte Cerqueira durante a gravação do programa, falando ao microfone.

O jornalista Laerte Cerqueira entende que as redes sociais e seu uso como disseminadoras de mentiras e calúnias, entre outras ofensas à verdade, obrigam o jornalismo profissional a se preocupar e a combater a desinformação, não se limitando a produzir informação qualificada, acreditada.

Entrevistado nessa quarta-feira (3) no Observatório Debate, programa do Observatório Paraibano de Jornalismo (OPJor) no YouTube, Laerte também abordou o excessivo espaço que o chamado jornalismo político dá a futricas políticas em detrimento de graves problemas da população paraibana.

Informou que esse rame-rame é alvo de discussão e tentativas de superação no núcleo de análise política que coordena na Rede Paraíba de Comunicação, onde trabalha (inclui as TVs Cabo Branco, de João Pessoa, e Paraíba, de Campina Grande, além de duas rádios CBN, portais G1 Paraíba e Jornal da Paraíba).

Observou, contudo, que mesmo meramente especulativo o ramerrão também gera audiência. “Não vou dizer a você que a gente não entra nisso”, admitiu, mas ressalvando que o jornalista de política na Paraíba muitas vezes não pode ou não quer buscar informações que possam “mexer com o status quo”.

Membro licenciado do Observatório Paraibano de Jornalismo, por ter assumido a editoria-geral de Jornalismo da Rede Paraíba, Laerte mantém a crítica de mídia na atividade acadêmica, escrevendo artigos científicos nos quais trata da desinformação, de curadoria da informação e do que chama de ‘telejornalismo de brechas’.

Ele faz parte ainda da Telejor, a Rede de Pesquisadores em Telejornalismo do Brasil. E assim continua produzindo academicamente, inclusive por ser também professor colaborador permanente, como Doutor em Comunicação, do Mestrado em Jornalismo da Universidade Federal da Paraíba (UFPB).

Clique aqui para assistir à entrevista.

domingo, 31 de março de 2024

31 de março

O que os programas policialescos têm a ver com a ditadura militar?

Descrição para cegos: ilustração em tons de cinza mostra uma TV antiga em cujo vídeo se veem manchas de sangue – a única coisa colorida na imagem. Arte: Thyago Nogueira-Oficina Sal


Por Mabel Dias (observadora credenciada)*

Este domingo, 31 de março, marca um período tenebroso da História do Brasil: os 60 anos do golpe militar, que instaurou por 21 anos (1964-1985) uma ditadura civil-militar no país. Nesta data, os militares depuseram o presidente eleito democraticamente, João Goulart e ocuparam o poder executivo, instalando no Brasil um cenário de medo, censuras, perseguições e violências.

Foi nessa mesma época, anos 60, que surgiram os programas policialescos. Primeiro no rádio e depois na televisão. Os mais conhecidos eram O Homem do Sapato Branco e o Polícia Contra o Crime. Nos anos 90, houve um boom desses programas na TV brasileira, em âmbito nacional e regional, despontando como líderes de audiência, o Aqui e Agora (SBT), Na Rota do Crime (extinta TV Manchete), Brasil Urgente (Band) e Cidade Alerta (RecordTV).

Os militares não eram muito fãs deste tipo de programa e até mandaram retirar alguns do ar, alegando preservação da família, da moral e dos bons costumes. No entanto, o conteúdo divulgado por estes programas traz muitas características - e até apoio - à ideologia da Doutrina de Segurança Nacional, idealizada pelos militares para poder conseguir simpatia da sociedade e tomar o poder. Dentre elas, podemos citar, a cultura da brutalidade policial, da ilegalidade, e do grupo de extermínio, como nos indica Fábio Marton, em seu artigo sobre estes programas no site The InterceptBrasil.

O documentário Bandidos na TV, da Netflix, ilustra bem este apoio a grupos de extermínio. Ele conta a história do apresentador Wallace Sousa, que exibia no programa Canal Livre, no Amazonas, reportagens de crimes que ele mesmo cometia.

Os programas policialescos tornaram-se os porta-vozes de um discurso autoritário, reforçando uma moral conservadora e elitista, estampada na tela da TV e propagada nas ondas do rádio. A pesquisadora Ticiane Cabral afirma que a base retórica dos valores cristãos e da moral e bons costumes, utilizada para justificar o uso da força e repressão no período da ditadura civil-militar é a mesma utilizada nos programas policialescos. Com o surgimento desses programas na grade das principais emissoras brasileiras, as violações de direitos começaram a ser reforçadas e divulgadas, e o movimento de Direitos Humanos estigmatizado como “movimento que defende bandido”, desinformando a população sobre a atuação dos e das defensores/as dos direitos humanos nas penitenciárias e casas de ressocialização para adolescentes, por exemplo. Quem não se lembra do chavão “bandido bom é bandido morto?”.

Hoje, escutamos o “CPF cancelado”, gíria de grupos milicianos e paramilitares para comemorar a morte de “bandidos” e desafetos, como indica o pesquisador Bruno Paes Manso.

Um olhar mais atento ao conteúdo dos policialescos identifica a presença do racismo, machismo, LGBTfobia, desrespeito à presunção de inocência, violação dos direitos de crianças e adolescentes, tratamento desumano ou degradante e torturas, defesa da pena de morte, “justiça” com as próprias mãos. Conteúdos esses divulgados pelos apresentadores e repórteres desses produtos televisuais, que se tornaram um modelo de negócio lucrativo para as emissoras comerciais.

Com a visibilidade que alcançam na telinha da TV e nas ondas do rádio, esses apresentadores e repórteres se candidatam a cargos políticos e chegam até a se eleger. Pesquisa do Intervozes - Coletivo Brasil de Comunicação Social revela que nas últimas eleições, realizadas em 2023, houve um crescimento dessas candidaturas.

O discurso de endurecimento das leis penais, redução da maioridade penal, defesa da flexibilização do porte e posse de arma para a população, justiçamento e isenção de responsabilidade dos policiais em ações violentas, que resultam na morte de civis fazem parte da plataforma política destes candidatos. Isso te lembra alguém?

O conteúdo dos programas policialescos está no ar há cerca de 60 anos no Brasil, e tem reforçado durante todos esses anos as teses da direita e da extrema direita brasileira em relação a setores vulnerabilizados da sociedade, como negros/as, indígenas, LGBTs, mulheres e pessoas em situação de cárcere, adolescentes que cumprem medidas sócio educativas. A ideologia reacionária da extrema direita e o conteúdo presente nos policialescos estão intimamente relacionados e contribuíram para a eleição desse segmento político nos espaços de poder, seja legislativo ou executivo. Não é à toa que o ex-presidente da República tinha presença cativa em programas deste tipo, como o Brasil Urgente, apresentado por José Luis Datena, e o extinto Alerta Nacional, apresentado por Sikera Júnior.

Se precisamos estar atentos e fortes, como diz a letra da canção, em relação aos passos dos militares e com a memória ativa sobre o que aconteceu no Brasil durante a ditadura civil-militar, também precisamos estar atentos/as, e com um olhar diferenciado sobre conteúdos que são divulgados nesses programas, pois pesquisas já mostram as inúmeras violações de direitos que eles endossam.


*Mabel Dias é jornalista, mestra em Comunicação pela UFPB, feminista, observadora credenciada do Observatório Paraibano de Jornalismo, integrante do Coletivo Intervozes, coordenadora adjunta do Fórum Interinstitucional pelo Direito à Comunicação e autora do livro “A desinformação e a violação aos direitos humanos das mulheres: um estudo de caso do programa Alerta Nacional.” Doutoranda em Comunicação pela UFPE.

quinta-feira, 28 de março de 2024

OBSERVATÓRIO DEBATE

Jornalista se vê alvo de patrulhamento após entrevista de Queiroga sobre vacina

Descrição para cegos: foto de Luís Tôrres falando ao microfone durante a gravação do programa.

Diretor de Jornalismo do Sistema Arapuan de Comunicação, Luís Tôrres considera patrulhamento e criminalização do jornalismo ações ajuizadas contra veículos de comunicação que divulguem mentiras, deturpação de fatos ou acusações infundadas proferidas durante entrevista. “O entrevistado deve ser responsabilizado, não o entrevistador”, enfatizou.

Tôrres manifestou seu posicionamento quarta-feira (27), no programa Observatório Debate, produzido pelo Observatório Paraibano de Jornalismo (OPJor) e transmitido pelo YouTube. Ele foi abordado sobre Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) firmado recentemente entre o Sistema Arapuan e o Ministério Público Federal (MPF) para combater desinformação sobre vacinação contra a Covid-19.

Segundo o jornalista, o TAC baseou-se em tese jurídica, adotada pelo Supremo Tribunal Federal (STF) em novembro de 2023, que fixou critérios para responsabilizar empresas jornalísticas “por divulgação de acusações falsas”. Por maioria, o STF decidiu que tais empresas “têm o dever de verificar a veracidade dos fatos alegados e de esclarecer ao público que as acusações são sabidamente falsas”.

De acordo com o MPF, a desinformação que tentou desacreditar a imunização contra a Covid-19 foi gerada em 24 de janeiro deste ano durante entrevista do médico Marcelo Queiroga, ex-ministro da Saúde, à TV Arapuan. Além de criticar o governo federal por incluir crianças de seis meses a cinco anos entre os grupos prioritários para receber a vacina contra a doença, ele relacionou a vacinação a mortes.

“Podem existir óbitos com efeitos adversos da vacina”, afirmou Queiroga ao ser perguntado se “a vacina mata?”. Pergunta formulada por Luís Torres, que entrevistava o ex-ministro. Indagado ontem porque não questionou nem contestou tal afirmação, Tôrres disse que Queiroga “deu uma opinião (...) e, absurdamente ou não, ele tem o direito de dizer e ser responsabilizado pelas loucuras que diz”.

Formado em Jornalismo pela Universidade Estadual da Paraíba (UEPB), Luís Tôrres ingressou na profissão em 2000. Editou a revista O Forte (Cabedelo), foi subeditor de Política do Jornal da Paraíba, comentarista de política da TV Cabo Branco (João Pessoa), coordenou os portais ClickPB e PB Agora e exerceu o cargo de secretário estadual de Comunicação de 2014 a 2019.

Clique aqui para assistir ao programa.

segunda-feira, 19 de fevereiro de 2024

Desinformação a gente vê e ouve na Arapuan

Descrição para cegos: charge mostra três pessoas. Da esquerda para a direita, as duas primeiras estão com as cabeças cobertas por capuzes em forma de cone que remetem à organização racista Ku Klux Klan, sendo que uma traja uma túnica e carrega uma tocha acesa e a outra, um paletó e usa gravata com listas verdes e amarelas. A terceira, também de paletó, no lugar da cabeça tem o vírus da covid. Abaixo, à direita, a assinatura do autor: “JUNIÃO.org. (imagem licenciada Creative Commons – Outras Palavras)

Por Mabel Dias (observadora credenciada)

Enquanto a TV Arapuan entrevista um médico negacionista, e pergunta “se as vacinas contra a Covid estão matando...”, a TV Cabo Branco entrevista outro médico para falar sobre a importância das vacinas contra a dengue e para esclarecer à população sobre as desinformações que voltaram a circular sobre a doença no Brasil. Um quadro como esse, para desmascarar as notícias inverídicas que têm circulado, principalmente nas redes sociais, deveria ser obrigatório em todas as emissoras de TV do Brasil. No rádio também.

Engana-se quem pensa que as pessoas não se informam mais por esses meios. Estudo da Inside Vídeo revela que em 2022 mais de 79% do tempo de vídeo consumido foi direcionado à televisão. A emissora de TV ou de rádio que entrevista um médico sabidamente negligente com a vida humana e que ajudou a propagar teorias de conspiração e mentiras sobre vacinas (que ele sabe que são eficientes) presta um imenso desserviço à sociedade e vai na contramão de seus deveres, estabelecidos em leis, tornando-se cúmplice da desinformação e da violação de direitos.