quinta-feira, 4 de abril de 2024

OBSERVATÓRIO DEBATE

Laerte Cerqueira: jornalismo profissional

é obrigado a combater desinformação

Descrição para cegos: foto de Laerte Cerqueira durante a gravação do programa, falando ao microfone.

O jornalista Laerte Cerqueira entende que as redes sociais e seu uso como disseminadoras de mentiras e calúnias, entre outras ofensas à verdade, obrigam o jornalismo profissional a se preocupar e a combater a desinformação, não se limitando a produzir informação qualificada, acreditada.

Entrevistado nessa quarta-feira (3) no Observatório Debate, programa do Observatório Paraibano de Jornalismo (OPJor) no YouTube, Laerte também abordou o excessivo espaço que o chamado jornalismo político dá a futricas políticas em detrimento de graves problemas da população paraibana.

Informou que esse rame-rame é alvo de discussão e tentativas de superação no núcleo de análise política que coordena na Rede Paraíba de Comunicação, onde trabalha (inclui as TVs Cabo Branco, de João Pessoa, e Paraíba, de Campina Grande, além de duas rádios CBN, portais G1 Paraíba e Jornal da Paraíba).

Observou, contudo, que mesmo meramente especulativo o ramerrão também gera audiência. “Não vou dizer a você que a gente não entra nisso”, admitiu, mas ressalvando que o jornalista de política na Paraíba muitas vezes não pode ou não quer buscar informações que possam “mexer com o status quo”.

Membro licenciado do Observatório Paraibano de Jornalismo, por ter assumido a editoria-geral de Jornalismo da Rede Paraíba, Laerte mantém a crítica de mídia na atividade acadêmica, escrevendo artigos científicos nos quais trata da desinformação, de curadoria da informação e do que chama de ‘telejornalismo de brechas’.

Ele faz parte ainda da Telejor, a Rede de Pesquisadores em Telejornalismo do Brasil. E assim continua produzindo academicamente, inclusive por ser também professor colaborador permanente, como Doutor em Comunicação, do Mestrado em Jornalismo da Universidade Federal da Paraíba (UFPB).

Clique aqui para assistir à entrevista.

domingo, 31 de março de 2024

31 de março

O que os programas policialescos têm a ver com a ditadura militar?

Descrição para cegos: ilustração em tons de cinza mostra uma TV antiga em cujo vídeo se veem manchas de sangue – a única coisa colorida na imagem. Arte: Thyago Nogueira-Oficina Sal


Por Mabel Dias (observadora credenciada)*

Este domingo, 31 de março, marca um período tenebroso da História do Brasil: os 60 anos do golpe militar, que instaurou por 21 anos (1964-1985) uma ditadura civil-militar no país. Nesta data, os militares depuseram o presidente eleito democraticamente, João Goulart e ocuparam o poder executivo, instalando no Brasil um cenário de medo, censuras, perseguições e violências.

Foi nessa mesma época, anos 60, que surgiram os programas policialescos. Primeiro no rádio e depois na televisão. Os mais conhecidos eram O Homem do Sapato Branco e o Polícia Contra o Crime. Nos anos 90, houve um boom desses programas na TV brasileira, em âmbito nacional e regional, despontando como líderes de audiência, o Aqui e Agora (SBT), Na Rota do Crime (extinta TV Manchete), Brasil Urgente (Band) e Cidade Alerta (RecordTV).

Os militares não eram muito fãs deste tipo de programa e até mandaram retirar alguns do ar, alegando preservação da família, da moral e dos bons costumes. No entanto, o conteúdo divulgado por estes programas traz muitas características - e até apoio - à ideologia da Doutrina de Segurança Nacional, idealizada pelos militares para poder conseguir simpatia da sociedade e tomar o poder. Dentre elas, podemos citar, a cultura da brutalidade policial, da ilegalidade, e do grupo de extermínio, como nos indica Fábio Marton, em seu artigo sobre estes programas no site The InterceptBrasil.

O documentário Bandidos na TV, da Netflix, ilustra bem este apoio a grupos de extermínio. Ele conta a história do apresentador Wallace Sousa, que exibia no programa Canal Livre, no Amazonas, reportagens de crimes que ele mesmo cometia.

Os programas policialescos tornaram-se os porta-vozes de um discurso autoritário, reforçando uma moral conservadora e elitista, estampada na tela da TV e propagada nas ondas do rádio. A pesquisadora Ticiane Cabral afirma que a base retórica dos valores cristãos e da moral e bons costumes, utilizada para justificar o uso da força e repressão no período da ditadura civil-militar é a mesma utilizada nos programas policialescos. Com o surgimento desses programas na grade das principais emissoras brasileiras, as violações de direitos começaram a ser reforçadas e divulgadas, e o movimento de Direitos Humanos estigmatizado como “movimento que defende bandido”, desinformando a população sobre a atuação dos e das defensores/as dos direitos humanos nas penitenciárias e casas de ressocialização para adolescentes, por exemplo. Quem não se lembra do chavão “bandido bom é bandido morto?”.

Hoje, escutamos o “CPF cancelado”, gíria de grupos milicianos e paramilitares para comemorar a morte de “bandidos” e desafetos, como indica o pesquisador Bruno Paes Manso.

Um olhar mais atento ao conteúdo dos policialescos identifica a presença do racismo, machismo, LGBTfobia, desrespeito à presunção de inocência, violação dos direitos de crianças e adolescentes, tratamento desumano ou degradante e torturas, defesa da pena de morte, “justiça” com as próprias mãos. Conteúdos esses divulgados pelos apresentadores e repórteres desses produtos televisuais, que se tornaram um modelo de negócio lucrativo para as emissoras comerciais.

Com a visibilidade que alcançam na telinha da TV e nas ondas do rádio, esses apresentadores e repórteres se candidatam a cargos políticos e chegam até a se eleger. Pesquisa do Intervozes - Coletivo Brasil de Comunicação Social revela que nas últimas eleições, realizadas em 2023, houve um crescimento dessas candidaturas.

O discurso de endurecimento das leis penais, redução da maioridade penal, defesa da flexibilização do porte e posse de arma para a população, justiçamento e isenção de responsabilidade dos policiais em ações violentas, que resultam na morte de civis fazem parte da plataforma política destes candidatos. Isso te lembra alguém?

O conteúdo dos programas policialescos está no ar há cerca de 60 anos no Brasil, e tem reforçado durante todos esses anos as teses da direita e da extrema direita brasileira em relação a setores vulnerabilizados da sociedade, como negros/as, indígenas, LGBTs, mulheres e pessoas em situação de cárcere, adolescentes que cumprem medidas sócio educativas. A ideologia reacionária da extrema direita e o conteúdo presente nos policialescos estão intimamente relacionados e contribuíram para a eleição desse segmento político nos espaços de poder, seja legislativo ou executivo. Não é à toa que o ex-presidente da República tinha presença cativa em programas deste tipo, como o Brasil Urgente, apresentado por José Luis Datena, e o extinto Alerta Nacional, apresentado por Sikera Júnior.

Se precisamos estar atentos e fortes, como diz a letra da canção, em relação aos passos dos militares e com a memória ativa sobre o que aconteceu no Brasil durante a ditadura civil-militar, também precisamos estar atentos/as, e com um olhar diferenciado sobre conteúdos que são divulgados nesses programas, pois pesquisas já mostram as inúmeras violações de direitos que eles endossam.


*Mabel Dias é jornalista, mestra em Comunicação pela UFPB, feminista, observadora credenciada do Observatório Paraibano de Jornalismo, integrante do Coletivo Intervozes, coordenadora adjunta do Fórum Interinstitucional pelo Direito à Comunicação e autora do livro “A desinformação e a violação aos direitos humanos das mulheres: um estudo de caso do programa Alerta Nacional.” Doutoranda em Comunicação pela UFPE.

quinta-feira, 28 de março de 2024

OBSERVATÓRIO DEBATE

Jornalista se vê alvo de patrulhamento após entrevista de Queiroga sobre vacina

Descrição para cegos: foto de Luís Tôrres falando ao microfone durante a gravação do programa.

Diretor de Jornalismo do Sistema Arapuan de Comunicação, Luís Tôrres considera patrulhamento e criminalização do jornalismo ações ajuizadas contra veículos de comunicação que divulguem mentiras, deturpação de fatos ou acusações infundadas proferidas durante entrevista. “O entrevistado deve ser responsabilizado, não o entrevistador”, enfatizou.

Tôrres manifestou seu posicionamento quarta-feira (27), no programa Observatório Debate, produzido pelo Observatório Paraibano de Jornalismo (OPJor) e transmitido pelo YouTube. Ele foi abordado sobre Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) firmado recentemente entre o Sistema Arapuan e o Ministério Público Federal (MPF) para combater desinformação sobre vacinação contra a Covid-19.

Segundo o jornalista, o TAC baseou-se em tese jurídica, adotada pelo Supremo Tribunal Federal (STF) em novembro de 2023, que fixou critérios para responsabilizar empresas jornalísticas “por divulgação de acusações falsas”. Por maioria, o STF decidiu que tais empresas “têm o dever de verificar a veracidade dos fatos alegados e de esclarecer ao público que as acusações são sabidamente falsas”.

De acordo com o MPF, a desinformação que tentou desacreditar a imunização contra a Covid-19 foi gerada em 24 de janeiro deste ano durante entrevista do médico Marcelo Queiroga, ex-ministro da Saúde, à TV Arapuan. Além de criticar o governo federal por incluir crianças de seis meses a cinco anos entre os grupos prioritários para receber a vacina contra a doença, ele relacionou a vacinação a mortes.

“Podem existir óbitos com efeitos adversos da vacina”, afirmou Queiroga ao ser perguntado se “a vacina mata?”. Pergunta formulada por Luís Torres, que entrevistava o ex-ministro. Indagado ontem porque não questionou nem contestou tal afirmação, Tôrres disse que Queiroga “deu uma opinião (...) e, absurdamente ou não, ele tem o direito de dizer e ser responsabilizado pelas loucuras que diz”.

Formado em Jornalismo pela Universidade Estadual da Paraíba (UEPB), Luís Tôrres ingressou na profissão em 2000. Editou a revista O Forte (Cabedelo), foi subeditor de Política do Jornal da Paraíba, comentarista de política da TV Cabo Branco (João Pessoa), coordenou os portais ClickPB e PB Agora e exerceu o cargo de secretário estadual de Comunicação de 2014 a 2019.

Clique aqui para assistir ao programa.

segunda-feira, 19 de fevereiro de 2024

Desinformação a gente vê e ouve na Arapuan

Descrição para cegos: charge mostra três pessoas. Da esquerda para a direita, as duas primeiras estão com as cabeças cobertas por capuzes em forma de cone que remetem à organização racista Ku Klux Klan, sendo que uma traja uma túnica e carrega uma tocha acesa e a outra, um paletó e usa gravata com listas verdes e amarelas. A terceira, também de paletó, no lugar da cabeça tem o vírus da covid. Abaixo, à direita, a assinatura do autor: “JUNIÃO.org. (imagem licenciada Creative Commons – Outras Palavras)

Por Mabel Dias (observadora credenciada)

Enquanto a TV Arapuan entrevista um médico negacionista, e pergunta “se as vacinas contra a Covid estão matando...”, a TV Cabo Branco entrevista outro médico para falar sobre a importância das vacinas contra a dengue e para esclarecer à população sobre as desinformações que voltaram a circular sobre a doença no Brasil. Um quadro como esse, para desmascarar as notícias inverídicas que têm circulado, principalmente nas redes sociais, deveria ser obrigatório em todas as emissoras de TV do Brasil. No rádio também.

Engana-se quem pensa que as pessoas não se informam mais por esses meios. Estudo da Inside Vídeo revela que em 2022 mais de 79% do tempo de vídeo consumido foi direcionado à televisão. A emissora de TV ou de rádio que entrevista um médico sabidamente negligente com a vida humana e que ajudou a propagar teorias de conspiração e mentiras sobre vacinas (que ele sabe que são eficientes) presta um imenso desserviço à sociedade e vai na contramão de seus deveres, estabelecidos em leis, tornando-se cúmplice da desinformação e da violação de direitos.

quarta-feira, 7 de fevereiro de 2024

Machismo, cavilação e implicância com “presidenta” - já basta, colegas

Descrição para cegos: imagem composta pela folha de rosto da 1ª edição de “Memórias Póstumas de Brás Cubas” e trecho final do cap. 80 da obra, onde se lê, no português da época: “(...) natural, não violenta, uma placidez salpicada de alegria. Respirei, e não tive animo de olhar para Virgília; senti por cima da pagina o olhar dela, que me pedia tambem a mesma cousa, e disse que sim, que iria. Na verdade, um presidente, uma presidenta, um secretario, era resolver as cousas de um modo administrativo.” A expressão “uma presidenta” foi destacada em azul claro pela editoria do blog. 

Por Carmélio Reynaldo (observador credenciado)

Agora que a diversidade parece ser prática e pauta em todos os canais de comunicação, que tal dar fim à cavilosa implicância com Dilma Rousseff e incorporar de uma vez a palavra “presidenta” ao vocabulário do jornalismo? E com a devida benção de Machado de Assis que já a usava, mesmo o Brasil ainda sendo uma monarquia.

Vamos recordar um pouco, afinal, jornalismo sempre precisa de contextualização.

Por ocasião da sua posse na presidência em 2011, Dilma Rousseff usou a palavra “Presidenta” para a função que assumia. A má vontade da imprensa com a vencedora da eleição e o machismo brasileiro se alvoroçaram tentando rotulá-la com a burrice que demonstravam – por preconceito e por misoginia.

domingo, 14 de janeiro de 2024

O desserviço do jornalismo declaratório nos programas policialescos da Paraíba

Descrição para cegos: imagem de uma mão aberta com a palma para frente na cor vermelha. O fundo é branco com um leve degradê para rosa nas bordas superiores. Sobre a imagem da mão, há um texto em letras maiúsculas na cor vermelha que diz: "Pelo fim dos programas policialescos!"

Mabel Dias (observadora credenciada)*

O jornalismo declaratório tem sido constante nos telejornais na Paraíba. E nos programas policialescos a situação é ainda mais grave. Na última quinta-feira, 11 de janeiro, o Cidade Alerta PB, transmitido pela TV Correio, afiliada à RecordTV, trouxe a informação que dois jovens tinham sido assassinados em Mamanguape na véspera. A notícia foi dada pela repórter Gláucia Araújo, que gravou um stand up, na Central de Polícia, em João Pessoa. A única fonte entrevistada foi a polícia, afirmando que os dois rapazes assassinados, de apenas 20 anos, tinham “envolvimento com o tráfico de drogas”.

Durante a narração da repórter, foi exibida a imagem de um dos supostos jovens assassinados. Digo suposto por que a equipe do programa não o identificou e não é possível saber de quem se trata. Ainda pior, foi a exibição da imagem do rapaz, ligando-o ao tráfico de drogas, sem ter entrevistado alguma pessoa da sua família para saber quem era ele, o que fazia e o que aconteceu para chegar a tal situação. Uma violação da presunção de inocência, direito previsto na Constituição Brasileira. Foi brutalmente assassinado e ainda teve sua imagem divulgada, relacionando-o ao tráfico, sem direito a defesa.

quarta-feira, 10 de janeiro de 2024

Cobertura do conflito no Equador pela Globo parece uma chanchada

Descrição para cegos: imagem mostra prisioneiros sem camisa, sentados com as mãos cruzadas na nuca, em um recinto fechado, vigiados por militares armados. 

Por Carmélio Reynaldo (observador credenciado)

Está ridículo a Rede Globo colocar seus correspondentes em Nova York para noticiarem os acontecimentos no Equador. Como o Brasil, esse país fica na América do Sul e, embora seja um dos dois que não tem fronteira conosco (o outro é o Chile), a distância é bem menor. Para agravar a chanchada, as informações apresentadas pela equipe novaiorquina estão disponíveis em vários sites noticiosos equatorianos, acessíveis a qualquer pessoa com acesso à internet.

Podemos até tentar entender o motivo. Um deles se refere à incerteza com relação à segurança de uma equipe enviada para o local, apesar da necessidade que o jornalismo televisivo tem de transformar o noticiário em espetáculo. Assim, em vez de usar um narrador para, daqui do Brasil, dar as notícias que estão sendo fornecidas pelas agências internacionais e disponíveis em portais em todo o mundo, arma-se a cena com correspondentes de Nova York. Aliás, de ontem para hoje, mais de um por telejornal.

Porém, para superar o problema da falta de segurança a uma equipe enviada à região do conflito, é praxe na imprensa mundial a contratação de jornalistas locais que atuam, nesses casos, como freelancers. É assim que as agências de notícia internacionais estão fazendo a cobertura no Equador. 



domingo, 10 de dezembro de 2023

Programas policialescos são jornalísticos?

Descrição para cegos: detalhe da capa do Guia de Monitoramento de Mídia Brasileira vendo-se em destaque o título “VIOLAÇÕES”, tendo, abaixo, um pouco menor, “de direitos na mídia brasileira”, ambos cortados por uma linha diagonal da esquerda para a direita. Próximo ao canto inferior direito, em letras menores, consta “Pesquisa detecta quantidade significativa de violações de direitos e infrações a leis no campo da comunicação de massa”. Depois disso, mais embaixo, “Volume III”.


Por Mabel Dias* (observadora credenciada)

10 de dezembro celebramos os 75 anos da Declaração Universal dos Direitos Humanos e, no Brasil, programas que violam direitos são exibidos no horário do almoço, desrespeitando leis brasileiras e a dignidade humana. Por que esses programas continuam no ar, mesmo afrontando direitos humanos?

 

Desrespeito à presunção de inocência, exposição indevida de pessoas, desrespeito a decisões judiciais, tortura psicológica e tratamento desumano ou degradante, exibição de adolescentes e crianças vítimas de violência. Estas são algumas das violações de direitos encontradas nos programas policialescos, transmitidos pela maioria das emissoras de TV brasileiras, nacional e regionalmente. O conceito policialesco foi elaborado pela pesquisadora Suzana Varjão, que significa “programas que divulgam violência e criminalidade, apartados do horizonte ético que guia a prática jornalística”. As violações citadas no início deste texto foram encontradas em programas na TV e no rádio, em todas as regiões do Brasil, monitorados por pesquisadoras/es durante 30 dias, e fazem parte de um estudo realizado em 2015 e 2016, publicado no Guia de Monitoramento de Mídia Brasileira, coordenado pela Agência Nacional dos Direitos da Infância (Andi), Intervozes, Ministério Público Federal e Ong Artigo 19.