quinta-feira, 21 de outubro de 2021

Jornalismo declaratório deixa o público sem respostas


Descrição para cegos: imagem de maquete virtual de edifício-garagem com quatro pavimentos e três rampas de acesso sustentadas por pilastras e vigas, adornadas por gradil.

por Rubens Nóbrega (observador credenciado)

Na definição dos acadêmicos do ramo, jornalismo declaratório é aquele que se baseia exclusivamente ou quase no que dizem as fontes. Algo como teria dito Santo Agostinho sobre o caráter terminativo da palavra imperial. “Roma locuta, causa finita”. Ou seja, se Roma (ou César) falou, é o que há. E pronto! Fim da questão.

Quer ver como é? Vamos lá... Esta semana, pelo menos dois assuntos foram vítimas da cobertura acanhada e rasa desse tipo de jornalismo com que a imprensa paraibana em geral e a de João Pessoa em particular costumam tratar fatos relevantes que envolvem o poder público. Ambos vieram a lume na segunda-feira (18). 

Pela manhã, vereadores e outras autoridades municipais conheceram o projeto de uma nova Zona Azul para a capital paraibana; à noite, Fernando Catão, presidente do Tribunal de Contas da Paraíba (TCE-PB), só não disse na TV Arapuan que ‘o gato comeu’ o dinheiro do combate à Covid na Paraíba. 

Ao jornalista Luiz Torres, apresentador-entrevistador do programa Frente a Frente do popularmente conhecido Sistema Gregoriano de Comunicação, Catão revelou que a auditoria do TCE procurou e não achou mais de um bi dos dois bilhões e pouco que o governo federal teria repassado – de março de 2020 pra cá – ao Estado e municípios paraibanos para o enfrentamento da pandemia.

Os dados do suposto sumiço constam do último relatório mensal de auditoria que acompanha os gastos a que se destinam tais recursos. Salvo repique meramente reprodutivo na Arapuan FM, no dia seguinte àquela entrevista, a revelação pretensamente bombástica não rendeu, além e em qualquer outro canto, um mínimo de aprofundamento ou desdobramento.

O programa Rádio Verdade da emissora cuidou de ouvir parte do que poderia ser entendido ou aceito como ‘o outro lado’. Apenas uma parte. Entrevistou George Coelho, presidente da Federação dos Municípios da Paraíba (Famup-PB), para quem o problema estaria na forma de contabilizar gastos gerais com a saúde pública sem escrutínio das despesas específicas com a Covid. 

Governador e secretário estadual de Saúde, pelo visto e ouvido, não foram procurados para se manifestar nem se manifestaram espontaneamente. Deveriam. Especialmente porque são alvos de frequentes insinuações e acusações formuladas por autoridades e apoiadores do governo Bolsonaro, que têm governantes nordestinos na conta de corruptos que desviam “o dinheiro da pandemia”.

Esses dirigentes também não foram aconselhados nem orientados por seus marqueteiros, secretários ou assessores de comunicação a tratarem a questão de forma aberta, franca, transparente. Veículos e espaços midiáticos estatais nada trouxeram, portanto, de explicações e esclarecimentos. Sequer um reles e breve desmentido da parte dos agentes políticos alvejados. 

Diante do exposto, fica ainda a impressão de que, por sua vez, a imprensa paraibana perdeu o link de atualização e contextualização do problema. De modo deliberado, ou talvez preguiçosamente, deixou passar a chance de investigar se procedem ou não os alegados desvios de verba e superfaturamento de obras, serviços, remédios e equipamentos comprados pela governança da Paraíba durante a tragédia sanitária em curso e cartaz. 

NOVA ZONA AZUL

‘João Pessoa terá estacionamento rotativo em três áreas”, manchetou o Portal Correio na terça-feira (19), ao resenhar sessão da Câmara Municipal de João Pessoa na qual fora apresentado no dia anterior o projeto de um novo estacionamento rotativo público com exploração privada nas áreas de maior fluxo de gente e carro na cidade.

Rebatizada de Zona dos Ipês, a velha Zona Azul vai reaparecer custando 3 reais por cada par de hora a quem estacionar em uma das 6.524 vagas que serão demarcadas, sinalizadas, fiscalizadas e cobradas nas ruas do centro histórico e comercial da cidade, das praias mais frequentadas e do bairro mais populoso da capital. 

A exploração do serviço será feita por empresa que ganhar licitação para investir cerca de R$ 15 milhões na implantação do novo estacionamento e construção de um edifício-garagem no Mercado Central com 130 vagas, com direito a deslocamentos em ônibus que circularão apenas no centrão da capital, carregando quem quiser pagar mais 2 reais para ‘resolver coisas’ entre a Lagoa e o Varadouro. 

Da empresa que se comprometer contratualmente em gastar os R$ 15 milhões no negócio, a Prefeitura contenta-se em receber um ‘aluguel’ inicial de R$ 300 mil e 5% do faturamento mensal. Pouco, não? Faltou perguntar a George Morais, superintendente de Mobilidade Urbana (Semob) do município. Perguntei. 

Da resposta, entendi que não é pouco, mas o mínimo. Na licitação, a expectativa é de que empresas interessadas cheguem a oferecer até R$ 25 milhões pela outorga da concessão do espaço público. Já o percentual da Prefeitura sobre o faturamento da concessionária também deve subir de 5 para 20 por cento, acredita George.

“Pra quando?”, emendei. “A previsão é operar no final do primeiro trimestre de 2022 (...) O prazo para conclusão do edifício-garagem, conforme informação de engenharia técnica da Seplan (Secretaria de Planejamento), é de 12 a 18 meses”.

“Houve conversa com os comerciantes?”, quis saber. O superintendente garante que dialogou com dirigentes das entidades representativas do comércio e do turismo, por exemplo. Há tempo esses empresários cobrariam ordenamento, ordem e rotatividade que faltam aos estacionamentos públicos da cidade. Carências que afugentam clientes, turistas, prejudicam vendas e outras transações.

“E os flanelinhas, serão aproveitados?”. George Morais adiantou que “o termo de referência exigirá da empresa vencedora a apresentação de projeto de acolhimento social para os guardadores de carros”, acrescentando: “A expectativa é que sejam gerados entre 60 e 100 empregos diretos, mas a decisão de contratar ou não os flanelinhas caberá à empresa”. 

Por sua conta e risco, o executivo informou que pesquisa de como é em outras capitais mostrou que no Recife cobram 5 reais a hora e em Fortaleza, 2 reais. “Estacionamentos privados em João Pessoa cobram de 5 a 6 reais por hora. Com a Zona dos Ipês, serão cobrados 3 reais por duas horas de estacionamento no Centro e Mangabeira e por cinco horas na orla”, reforçou.

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