sábado, 13 de novembro de 2021

RELATÓRIO INTERVOZES

Mídia e religião: vínculo silencia discussão sobre direitos sexuais e reprodutivos

Descrição para cegos: foto mostra um urso de pelúcia na mão de uma criança de costas, a qual veste bermuda jeans. São visíveis apenas a mão que segura o brinquedo e partes do quadril e da coxa.

Por Mabel Dias (observadora credenciada)

Segundo dados da Anis – Instituto de Bioética, 4,7 milhões de mulheres, até os 40 anos, já fizeram aborto no Brasil. 88% têm religião, sendo 56% católicas e 25% evangélicas/protestantes. Essa é uma realidade que está escancarada em pesquisas acadêmicas, de coletivos feministas e de mulheres, de todo o Brasil, mas que ainda encontra muitas dificuldades para ser pautada pela mídia. Na Paraíba, a situação é ainda mais grave.

A maioria dos veículos de comunicação mantém uma estreita relação com algum grupo religioso, evangélico ou católico, e isso dificulta as/os jornalistas fazerem matérias que mostrem esta realidade vivenciada por inúmeras mulheres brasileiras, que precisam recorrer ao aborto. É bom lembrar que no Brasil o aborto é legalizado quando há risco de vida para a mãe, quando o feto é anencéfalo e quando a mulher é vitima de estupro. Está no Código Penal. Não é uma decisão fácil nem as mulheres desejam abortar. Quando tomam essa decisão, há um motivo muito forte para isso. A violência sexual é uma delas. A cultura do estupro é algo real, e tem atingido meninas e mulheres, de todas as idades. Porém, esses assuntos têm sido silenciados pela mídia, brasileira e paraibana. Dados coletados pelo Instituto Patrícia Galvão revelam que meninas de até 14 anos têm sido mães. Na maioria desses casos, essas gravidezes são fruto de estupro.

Todas estas questões são debatidas no relatório Vozes Silenciadas – Direitos Sexuais e Reprodutivos, produzido pelo Coletivo Intervozes, que analisa a cobertura de TVs, jornais impressos e digitais e de sites das mídias religiosas, católica e evangélica. O recorte dado pela pesquisa abrange três períodos, em que esse tema foi destaque na cobertura dos principais meios de comunicação no Brasil: a violência sexual sofrida pela menina de 10 anos no Espírito Santo, em agosto de 2020; a audiência pública da ADPF 442, realizada pelo STF, em agosto de 2018, para descriminalizar o aborto, e a publicação das portarias, pelo Ministério da Saúde, que dificultavam o acesso ao aborto legal, nos meses de agosto e setembro de 2020.

Segundo a análise das pesquisadoras, as vozes de mulheres negras não são ouvidas pelas reportagens nem estão presentes nos artigos dos jornais, como a Folha de S. Paulo e o Estadão, e a discussão sobre a cultura do estupro e da importância da educação sexual nas escolas ainda é incipiente por parte dos meios de comunicação. As pesquisadoras observaram também que a publicação das portarias por parte do Ministério da Saúde, que dificultava o acesso das mulheres e meninas ao aborto legal, não foi abordada em TVs como a Record e o SBT, aliadas do governo Bolsonaro. No Jornal Nacional, da TV Globo, foram lidas apenas notas peladas sobre esse tema pelos apresentadores, sem nenhuma problematização sobre o assunto. O vazamento dos dados, sigilosos, da criança capixaba, de 10 anos, foi noticiado, mas a mídia não relacionou a extremista Sara Giromini, responsável pelo vazamento, com a ministra da Mulher, Família e Direitos Humanos, Damares Alves, que foi madrinha política dela, e que a levou para trabalhar no ministério.

Apesar do silenciamento por parte da mídia brasileira sobre a realidade do aborto no Brasil, como mostra o índice de mulheres que morrem por recorrer ao aborto clandestino, a cobertura foi considerada positiva por parte das pesquisadoras. Em jornais impressos – O Globo e a Folha de S. Paulo – foram produzidos diversos artigos sobre o tema.

Nas mídias religiosas, o tema foi tratado de maneira punitivista, sempre com um discurso de obrigação das mulheres para serem mães, mesmo sendo vítimas de violência sexual. Reportagens e artigos traziam palavras fortes para tratar dos casos, como dizer que o aborto é “um assassinato”, ou que a mulher que fazia o procedimento “cometia um crime”. A desinformação e o medo dominou o debate nos sites estudados, Canção Nova e Gospel Mais.

Se na mídia brasileira há ainda dificuldades para discutir o tema do aborto, nos meios de comunicação locais o assunto é ainda mais visto como um tabu. E a gravidez é romantizada e vista como uma “benção”, uma obrigação para todas as mulheres. O “Vozes Silenciadas – Direitos Sexuais e Reprodutivos” não trata da mídia regional, mas dois casos cobertos por veículos de comunicação na Paraíba causaram preocupação em entidades que atuam pelos direitos das crianças e adolescentes no estado e em professoras/es e jornalistas, que fazem parte do Observatório de Jornalismo, da UFPB. Um deles foi de uma adolescente de 15 anos, que teve sua imagem e a de seu filho expostas em TVs locais, como a TV Cabo Branco e a TV Tambaú, e a divulgação de detalhes do depoimento da mesma em um processo que deve correr sob sigilo, por se tratar de menor. O que está previsto no Estatuto da Criança e Adolescente, que é lei desde 1990.

Outro caso também envolveu outra adolescente, desta vez com 19 anos, que também foi vítima de estupro e, por isso, deixou o filho em uma calçada. A reportagem da TV Cabo Branco mostrou a imagem de câmeras de segurança, no momento em que ela deixa o bebê na calçada, e mesmo com o rosto embaçado, quem a conhece, pode facilmente reconhecê-la, principalmente o estuprador! Além disso, como fez com a menina de 15 anos, romantizou a gravidez, fruto de uma violência sexual. 

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