sexta-feira, 17 de dezembro de 2021

O inquietante silêncio da mídia sobre o vertiginoso ataque à ciência brasileira

Descrição para cegos: imagem mostra uma pessoa vestindo moletom com capuz e a sombra deste impede a visão do seu rosto. A personagem está diante de um teclado de computador, com as mãos em posição de digitar. O fundo da ilustração é coberto pela linguagem binária, formada pelos algarismos 0 e 1. 

por Joana Belarmino (observadora credenciada)

Iniciado o período pandêmico, em março de 2020, as universidades brasileiras foram forçadas a migrar para o trabalho em home office, uma solução necessária, mas que envolveu dificuldades, constrangimentos e, sobretudo, extrema vulnerabilidade à segurança e à integridade moral de docentes e discentes.

Os ataques às universidades e mesmo à ciência brasileira já haviam sido deflagrados a partir do início do governo Jair Bolsonaro. Vale aqui um breve inventário desse processo catastrófico: - classificação do trabalho universitário como “balbúrdia”, feita pelo primeiro ministro a ocupar a pasta da Educação; - bloqueio dos orçamentos universitários, pondo em risco ações de custeio, pesquisas científicas e pagamento de bolsas em todas as instituições de ensino superior da esfera federal do país; - o não reconhecimento dos resultados eleitorais para reitores, promovendo a ocupação dos cargos por interventores em várias universidades, a exemplo da UFPB; - imposição de censura à cátedra universitária, com medidas abusivas como a de solicitar aos estudantes a gravação de críticas dos docentes à atual conjuntura.

O ataque mais desprezível, porém, ocorre frequentemente com a estratégia de invasão das salas de aulas, eventos acadêmicos, e até mesmo de reuniões institucionais dos conselhos universitários. O módus operandi é semelhante em todas essas ações. Elas ocorrem geralmente no ambiente do Google Meet, suporte amplamente utilizado pelos docentes para a realização das suas atividades em home office.

Presenciei um desses ataques na última quarta-feira, 15 de dezembro. Eu tinha sido convidada para participar da última atividade do Inovajor, grupo de pesquisas do curso de Jornalismo da Universidade Federal de Tocantins. Mal havíamos iniciado a mesa redonda, para falar de acessibilidade ao mercado de trabalho por profissionais com deficiência, quando o ambiente foi invadido.

O processo é avassalador. No caso em questão, a tela inicial invadida por textos em uma linguagem muito chula e sons distorcidos, acompanhados de risadas demoníacas, impediam que pudéssemos fazer uso da fala.

De acordo com informações dos organizadores daquela atividade, as invasões nas sessões da Universidade de Tocantins são frequentes. Mas a situação não é realidade recorrente apenas naquela instituição. As denúncias ao longo desses dois anos ocorrem quase todos os dias em todas as universidades federais. Elas revelam a vulnerabilidade em que se encontra a cátedra universitária no país, ameaçada pela falta de segurança nos ambientes online, e, fato mais grave, ocorrem sob o manto da completa impunidade e liberdade de ação dos infratores.

A ação das vítimas desses ataques tem sido apresentar um boletim de ocorrência às instâncias universitárias pertinentes. O trabalho em home office precisa realmente de uma reflexão profunda, não apenas pela comunidade universitária em geral, mas, sobretudo, pelos gestores da educação superior, envolvendo-se aqui, desde a estrutura gestora interna das instituições, aos responsáveis pela educação superior do governo federal.

Uma segunda reflexão precisa ser feita. Por que um acontecimento dessa natureza e gravidade não é notícia na mídia brasileira? O ataque à ciência do país, em todas as suas nuances desprezíveis e covardes, não merece algumas reportagens em profundidade que possam revelar as obscuras estratégias por trás de um projeto de desmonte e desqualificação do ensino superior brasileiro? 

É certo que a agenda midiática já antecipou como notícia principal, as eleições de 2022. No seu projeto, dá atenção máxima à uma candidatura de “terceira via” e dedica-se a uma devotada campanha em defesa de um programa político neo-liberal. Os problemas profundos do país, como esse verdadeiro massacre à ciência brasileira, passam ao largo dessa agenda monotemática, empenhada na defesa dos seus interesses comerciais.

Aqui, deixo minha nota de solidariedade ao ensino de Jornalismo da Universidade de Tocantins e o meu repúdio por mais esta ocorrência nefasta.

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