quinta-feira, 17 de fevereiro de 2022

Duas reportagens e uma reflexão: cobertura de um lado só?

Descrição para cegos: foto de uma sala de aula vazia, com carteiras arrumadas e mesa para ministrante. 

Por Joana Belarmino (observadora credenciada)

Assisto todos os dias aos principais telejornais da TV Cabo Branco e constato uma situação generalizada na cobertura. Sindicatos e outros movimentos sociais literalmente desapareceram da produção dos conteúdos veiculados, verificando-se uma parcialidade que chega a afrontar o saber/fazer cotidiano desse campo profissional.

Os dois exemplos mais recentes trataram da volta às aulas na UFPB e da greve dos professores do município de Campina Grande. A primeira cobertura deu-se no JPB segunda edição, da última terça-feira.

A reportagem, longa, para uma cobertura de TV, tratava do retorno às aulas presenciais na UFPB. Personagens? Estudantes da área de saúde, arrolando suas queixas sobre a falta de atividades práticas e os desejos de estarem na sala de aula.

Informação zero para os níveis de contaminação no campus de João Pessoa, nada sobre as medidas de biossegurança a serem implantadas e zero cobertura para a nota divulgada pelo sindicato dos docentes, tornada pública naquele mesmo dia, e que aponta falhas na implementação dos processos de biossegurança, manutenção de equipamentos e espaços físicos para uma volta às aulas segura e com os devidos cuidados de proteção à saúde.

A segunda reportagem, veiculada quarta-feira, no Bom Dia Paraíba, dava conta da volta às aulas presenciais no município de Campina Grande, prejudicada pela greve de professores, que lutam por melhorias salariais. Nenhum representante do movimento foi ouvido e imagens de escolas com suas portas fechadas davam o tom da situação na cidade.

De fato, o jornalismo da Cabo Branco, se ganhou mais espaço de tempo, tem privilegiado o modelo da quantidade de informação em suas coberturas, em detrimento do tão desejado exercício da imparcialidade, onde todos os lados de um dado acontecimento devem ser ouvidos. No caso da primeira reportagem, ficou implícita uma ideia recorrente que tem sido assacada por alguns blogs e mesmo programas de rádio: a de que os professores universitários são vagabundos, e negam-se ao retorno às aulas presenciais. Há aqui desconsideração absoluta do trabalho remoto empreendido nos últimos dois anos, realizado muitas vezes em condições adversas, e com um monitoramento insatisfatório por parte da gestão superior da UFPB.

A segunda reportagem repete o mesmo vício: não ouvindo o movimento dos docentes campinenses, deixa no ar a ideia do prejuízo, e não explora as condições salariais e de trabalho desses profissionais.

Fico aqui pensando numa concepção para esse tipo de reportagem de um lado só. Imagino, também, quais são as condições que fazem com que os jornalistas abdiquem de uma cobertura imparcial e isenta. Sempre se pode falar da própria precarização do trabalho desses profissionais, premidos por uma agenda quantitativa infame, trabalhando em processos de multiplataforma, onde uma mesma produção é feita para os diversos veículos da rede. Mas há aqui um mal-estar incrustado no âmago do jornalismo local: parece não haver tempo nem vontade para apuração, aprofundamento. O “jornalismo mínimo” praticado peca por um tipo de enquadramento, onde muitos segmentos da sociedade são deixados de lado e ficam sem voz.

O OUTRO LADO

O outro lado que a imprensa não ouviu, tem produzido debates e farto material sobre a situação da volta às aulas na UFPB. Do Instagram da Sindicato dos Docentes, nota publicada essa semana argumenta: “...Os docentes da UFPB, reunidos em assembleia de seu sindicato, a ADUFPB, manifestaram em uníssono, no dia 9 de fevereiro de 2022, o que tem sido o desejo da categoria há meses: retornar às atividades presenciais, tão logo haja condições de segurança sanitária na universidade para esse retorno”.

A nota da Aduf relata um conjunto de tratativas dirigidas ao atual reitor, desde que o tema se colocou em debate, entretanto, a universidade ainda não oferece, segundo a associação, as condições de retorno seguro ao modo presencial. O documento pode ser visto aqui.

Outro documento importante é a carta aberta dos diretores de centros dos quatro campi da UFPB, dirigida ao reitor Valdinei Gouvêia, onde se pede a volta às aulas presenciais de maneira gradual e segura, fazendo ainda cobranças para um conjunto de inquirições encaminhadas aos órgãos superiores da instituição e que ainda não alcançaram respostas.

No tocante à greve dos professores municipais de Campina Grande, a voz desses profissionais foi silenciada em favor de uma versão que já é comum nessas coberturas de greve: a ideia do prejuízo para os alunos. 

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