Duas reportagens e uma reflexão: cobertura de um lado só?
Descrição para cegos: foto de uma sala de aula vazia, com carteiras arrumadas e mesa para ministrante. |
Por Joana Belarmino (observadora credenciada)
Assisto
todos os dias aos principais telejornais da TV Cabo Branco e constato uma
situação generalizada na cobertura. Sindicatos e outros movimentos sociais
literalmente desapareceram da produção dos conteúdos veiculados, verificando-se
uma parcialidade que chega a afrontar o saber/fazer cotidiano desse campo
profissional.
Os dois
exemplos mais recentes trataram da volta às aulas na UFPB e da greve dos
professores do município de Campina Grande. A primeira cobertura deu-se no JPB
segunda edição, da última terça-feira.
A
reportagem, longa, para uma cobertura de TV, tratava do retorno às aulas
presenciais na UFPB. Personagens? Estudantes da área de saúde, arrolando suas
queixas sobre a falta de atividades práticas e os desejos de estarem na sala de
aula.
Informação
zero para os níveis de contaminação no campus de João Pessoa, nada sobre as
medidas de biossegurança a serem implantadas e zero cobertura para a nota
divulgada pelo sindicato dos docentes, tornada pública naquele mesmo dia, e que
aponta falhas na implementação dos processos de biossegurança, manutenção de
equipamentos e espaços físicos para uma volta às aulas segura e com os devidos
cuidados de proteção à saúde.
A segunda
reportagem, veiculada quarta-feira, no Bom Dia Paraíba, dava conta da volta às
aulas presenciais no município de Campina Grande, prejudicada pela greve de
professores, que lutam por melhorias salariais. Nenhum representante do
movimento foi ouvido e imagens de escolas com suas portas fechadas davam o tom
da situação na cidade.
De fato, o
jornalismo da Cabo Branco, se ganhou mais espaço de tempo, tem privilegiado o
modelo da quantidade de informação em suas coberturas, em detrimento do tão
desejado exercício da imparcialidade, onde todos os lados de um dado
acontecimento devem ser ouvidos. No caso da primeira reportagem, ficou
implícita uma ideia recorrente que tem sido assacada por alguns blogs e mesmo
programas de rádio: a de que os professores universitários são vagabundos, e
negam-se ao retorno às aulas presenciais. Há aqui desconsideração absoluta do
trabalho remoto empreendido nos últimos dois anos, realizado muitas vezes em
condições adversas, e com um monitoramento insatisfatório por parte da gestão
superior da UFPB.
A segunda
reportagem repete o mesmo vício: não ouvindo o movimento dos docentes
campinenses, deixa no ar a ideia do prejuízo, e não explora as condições
salariais e de trabalho desses profissionais.
Fico aqui
pensando numa concepção para esse tipo de reportagem de um lado só. Imagino,
também, quais são as condições que fazem com que os jornalistas abdiquem de uma
cobertura imparcial e isenta. Sempre se pode falar da própria precarização do
trabalho desses profissionais, premidos por uma agenda quantitativa infame, trabalhando
em processos de multiplataforma, onde uma mesma produção é feita para os
diversos veículos da rede. Mas há aqui um mal-estar incrustado no âmago do
jornalismo local: parece não haver tempo nem vontade para apuração,
aprofundamento. O “jornalismo mínimo” praticado peca por um tipo de
enquadramento, onde muitos segmentos da sociedade são deixados de lado e ficam
sem voz.
O OUTRO LADO
O outro lado
que a imprensa não ouviu, tem produzido debates e farto material sobre a
situação da volta às aulas na UFPB. Do Instagram da Sindicato dos Docentes,
nota publicada essa semana argumenta: “...Os docentes da UFPB, reunidos em
assembleia de seu sindicato, a ADUFPB, manifestaram em uníssono, no dia 9 de
fevereiro de 2022, o que tem sido o desejo da categoria há meses: retornar às
atividades presenciais, tão logo haja condições de segurança sanitária na
universidade para esse retorno”.
A nota da
Aduf relata um conjunto de tratativas dirigidas ao atual reitor, desde que o
tema se colocou em debate, entretanto, a universidade ainda não oferece,
segundo a associação, as condições de retorno seguro ao modo presencial. O
documento pode ser visto aqui.
Outro
documento importante é a carta aberta dos diretores de centros dos quatro campi
da UFPB, dirigida ao reitor Valdinei Gouvêia, onde se pede a volta às aulas
presenciais de maneira gradual e segura, fazendo ainda cobranças para um
conjunto de inquirições encaminhadas aos órgãos superiores da instituição e que
ainda não alcançaram respostas.
No tocante à greve dos professores municipais de Campina Grande, a voz desses profissionais foi silenciada em favor de uma versão que já é comum nessas coberturas de greve: a ideia do prejuízo para os alunos.
Análise perfeita. Merece aplauso.
ResponderExcluirPerfeita observação dessa grande jornalista e professora.
ResponderExcluirMuito bom. Perfeito, Joana.
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