sexta-feira, 4 de fevereiro de 2022

Os detratores

Descrição para cegos: foto de uma máscara das usadas para prevenir contaminação por covid, sobre o teclado de um notebook.

Por Rubens Nóbrega (observador credenciado)

Ano passado, li em rede social e ouvi no rádio os professores da Universidade Federal da Paraíba (UFPB) serem chamados de ‘vagabundos’ porque não dariam aulas presenciais na pandemia. Teve reprise nessa quinta-feira (3): os mesmos ‘vagabundos’ estariam usando a nova escalada da Covid como desculpa para não voltarem à sala de aula.

Curiosamente ou nem tanto, a infâmia partiu em 2020 de um professor aposentado da área de Comunicação; no rádio, de dois jornalistas ativos em programas da linha ‘popular’, ambos formados em Comunicação por universidades públicas, entre as quais a própria UFPB. Dessa vez, eles não cometeram ataque explícito. Usaram o deboche que os seus ouvintes devem assimilar como ‘humor’.

Antes e agora, a ofensa indica quão desinformados e mal formados são os detratores. Eles não sabem nem procuraram saber que durante todo esse tempo os professores da UFPB ministraram aulas online e devem continuar nessa lida a partir do próximo dia 21. Não devem retornar fisicamente naquela data à sala de aula porque, prudente e precavidamente, a comunidade universitária e seus representantes discutem se aguardam pelo menos mais 30 dias para retomar o ensino presencial, manter o online ou migrar para um sistema híbrido. Tudo a depender, claro, da evolução ou involução da pandemia.

O mais triste de tudo isso é constatar, nesse indisfarçado discurso de ódio ideológico, o patético desconhecimento dos autores do bombardeio acerca da instituição na qual se diplomaram. Fica evidente também que lideranças e dirigentes de professores, alunos e funcionários da UFPB não reagem – pelo menos publicamente – a esses episódios. Que não são isolados nem aleatórios, diga-se. Bem ao contrário, fazem parte de uma estratégia de guerra declarada, como prova a artilharia pesada contra as universidades federais montada em pleno Ministério da Educação sob o atual governo.

Sabemos todos as razões e motivos das agressões que vêm de cima e por baixo. Enquanto isso, direção universitária, sindicatos e diretórios estudantis da UFPB parecem não dar importância ao esforço do inimigo de consolidar uma imagem desvirtuada da instituição, plantada e adubada ao longo do tempo em nosso Estado por alguns dos eternos semeadores do atraso político e social da Paraíba.

É bem verdade que a desqualificação perpetrada expõe tristemente a ignorância de pessoas com formação universitária bancada por todos. Mas é bom repetir: a persistência na destruição da imagem pública da UFPB e congêneres é ato político deliberado, de autoria definida. A passividade ou indiferença dos agredidos não ajuda no combate à ideia entranhada no senso comum de que uma universidade não passa de um colégio de terceiro grau ou faculdade privada onde dar aula (ou coisa parecida) costuma ser a única atividade.

Os detratores não devem saber que em uma Universidade Pública, Gratuita e de Qualidade digna de tais qualificativos o Professor não se limita a ensinar, presencial ou virtualmente. Professor de universidade pública, descontadas as desonrosas exceções, faz pesquisa, coordena projetos de extensão e estágios, orienta trabalhos de iniciação científica, dissertações de mestrado e teses de doutorado. Depois, faz parte das bancas examinadoras dos trabalhos de conclusão desses cursos na graduação e nos programas de pós-graduação.

Para fazer tudo isso, o professor da universidade pública teve que estudar anos a fio com afinco e apuro para poder passar em concurso e, uma vez empossado no cargo, buscar qualificação acadêmica de forma contínua e crescente para bem dar conta da sua docência. Para tanto, também pesquisa um monte para produzir ciência, transmitir conhecimentos e publicar livros.

Diante do exposto, como gostam de dizer tribunos escolados, perguntei a dois professores doutores da UFPB – Joana Belarmino (Comunicação) e Flávio Lúcio Vieira (História) – se eles trabalharam ou não desde que a pandemia “se instalou feito posseiro” em nossas vidas e mortes. Perguntei ainda como se posicionam diante da velha acusação de que são ‘vagabundos’. Vamos ao que responderam, comentaram e acrescentaram.

JOANA

- Fizemos tudo o que normalmente já fazíamos antes da pandemia (ensino, pesquisa, extensão, produção científica...) E demos, claro, aulas online. Foi e é uma coisa por vezes tão desgastante que nesse período os alunos perderam a noção do tempo. Eu recebi consultas muitas vezes perto da meia-noite. Além disso, em 2020 participei de uma comissão interna de avaliação da pós-graduação, tudo online, e de congressos nacionais da nossa área.

- Nossa vagabundagem também já foi chamada de balbúrdia, lembra? Ah, ano passado, na minha disciplina - Técnica de Reportagem e Investigação Jornalística - os alunos produziram um livro. No outro semestre, fizeram sete grandes reportagens.

FLÁVIO

- Todas as outras atividades (aquelas que poderiam ser realizadas online) continuaram normalmente. Pesquisas, orientações, defesas de trabalhos de conclusão de curso em todos os níveis... Essa gente não tem ideia do quanto isso é frustrante. Refiro-me a trabalhar na frente de um computador. Prefiro mil vezes dar aula vendo meus alunos, sentindo suas reações ao longo da aula, interagindo pessoalmente.

- Uma escola é diferente de uma universidade das dimensões da UFPB. Como fazer o controle (dos protocolos de biossegurança)? Difícil, muito difícil. Sobretudo porque somos, professor e alunos, adultos, entre os quais muitos negacionistas militantes. Defendi o retorno às aulas presenciais, entre outros motivos porque sinto falta desse contato e, como a maioria das pessoas, já estou cansado de tudo isso. Mas, hoje, só volto a fazê-lo quando a direção da Universidade assegurar um controle rigoroso.

ALÉM DO QUE...

Em áudio enviado posteriormente ao nosso contato inicial, Flávio Lúcio lembrou que o ensino presencial na UFPB, especialmente no Campus I, poderia ser ministrado com os cuidados sanitários rígidos no Conjunto Humanístico (Centros de Humanas, de Educação e de Ciências Sociais), na Central de Aulas e em alguns blocos dos Centros de Exatas (CCEN), Saúde (CCS e Centro de Medicina) e Tecnologia (CT) que dispõem de salas de aula amplas com janelões que podem ficar abertos.

Ele tem razão. É bastante complicado implantar, cobrar ou fiscalizar normas de prevenção e contenção do gênero em um campus (particularmente o Campus I, tradicionalmente também chamado de Cidade Universitária) onde em tempos não pandêmicos, com a Universidade funcionando ‘a plena carga’, trabalham e circulam cerca de 15 mil pessoas por dia.

Outro complicador lembrado por Flávio: os prédios construídos na UFPB nos últimos 18 anos priorizaram ambientes fechados e refrigerados, muitos por conta de laboratórios e equipamentos com novas tecnologias da informação que devem ser operados sob baixa temperatura. Nesses locais, o coronavírus e suas variantes podem se concentrar e contaminar mais facilmente frequentadores eventuais ou habituais desses espaços.

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