terça-feira, 5 de abril de 2022

A infância padece e, sem rede, o jornalismo mergulha de cabeça

Descrição para cegos: imagem mostra a marca do programa Tambaú da Gente Manhã semicoberta por uma grade que está levantada na parte inferior direita. A marca do programa compreende dois retângulos de formas arredondadas sobrepostos, mas não simétricos. No primeiro está escrito “Tambaú da Gente” e, no segundo, “Manhã”. Desse conjunto sai um sol estilizado, como surgindo atrás de nuvens.
Por Carmélio Reynaldo (observador credenciado)

São tantas ocorrências de violência contra crianças que este blog já pode ser confundido com um fórum de defesa da infância – o que não deixa de ser verdade. E vamos para mais um caso, que foi a reportagem da TV Tambaú na manhã da segunda-feira, de uma criança de dois anos que caiu de janela do quarto andar de um prédio em Bayeux, na região metropolitana de João Pessoa.

Três perguntas que editorias devem fazer quando se trata de caso envolvendo crianças e adolescentes: qual a relevância de divulgar essa história? Se não for veiculada, nosso público estará menos informado? Em que contribui sua publicização?

Como as perguntas não foram feitas, o desastre aconteceu e a telejornal ultrapassou os limites da prudência a ponto questionar o zelo da mãe por não usar tela ou grade de proteção nas janelas do apartamento.

Embora pretenda focar na reportagem da TV Tambaú, registro que outros veículos também cobriram o caso de forma inadequada – o que demonstra que a imprudência e o descaso com o Estatuto da Criança e do Adolescente é regra, não exceção. Esse estatuto proíbe a exposição de jovens com menos de 18 anos em situação que possa causar constrangimento presente ou futuro. Compreende-se por exposição qualquer informação que possa levar à identificação, incluindo-se vizinhança ou parentes.

Como outras situações recentes em que o jornalismo dispensou a rede de proteção e mergulhou de cabeça, tanto a TV Tambaú quanto a TV Cabo Branco mostraram a mãe da criança na delegacia, o prédio e o andar do apartamento. Esse tipo de exposição é suficiente para identificação das vítimas (a criança e seus irmãos) nos círculos de convivência, como na rua, no bairro, na escola, na fila da vacinação...

Quanto a questionar a mãe pela ausência de tela ou grade de proteção na janela do apartamento, a reportagem não considera as carências que ela enfrenta criando três filhos sozinha. Aliás, sobre esse aspecto, recomendo a leitura do artigo A tragédia como notícia e a desfiguração da realidade, da observadora Joana Belarmino publicado neste blog, domingo último.

Na reportagem da TV Tambaú, choca principalmente o espaço dado a uma vizinha que ataca a mãe ao questionar seu amor pelos filhos porque, quando chegou ao local, perguntou qual deles tinha se acidentado e, antes de ir ao hospital, tomou banho e trocou de roupa – procedimentos aconselhados em situação de pandemia. No final da sua fala, a vizinha sentencia: “Isso é procedimento de mãe?” Não importa se a indignação da entrevistada é legítima, mas levar ao ar uma fala de tal contundência, capaz de incitar ódio contra uma mulher que cria sozinha três filhos, me leva a perguntar: “Isso é procedimento de jornalismo?”

No final da reportagem, quando a imagem voltou para apresentadora, ela exclamou: “Não julguem a mãe”. Espero que a editoria do Tambaú da Gente Manhã tenha entendido o recado. 

2 comentários:

  1. Muito importante esse alerta, meu caro. No jornalismo, o espetáculo tem valido mais que espírito humanitário.

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