Aborto: um tema interditado na mídia paraibana
Por Mabel Dias (observadora credenciada)
A
palavra aborto parece ser proibida de ser pronunciada na mídia da Paraíba.
Tratei sobre esse tema em outro artigo, publicado neste blog. E, novamente, o
assunto vem à tona, quando a TV Cabo Branco, afiliada da Rede Globo no estado,
noticiou no último sábado, o caso de uma adolescente, que segundo o lettering
disposto na tela da TV, anunciava: “Mãe abandona recém-nascido.”
O
que de fato aconteceu foi bem explicado pela delegada que está à frente das
investigações. A adolescente, que tem apenas 13 anos e foi vítima de estupro,
informou que o bebê havia nascido morto, não foi abandonado e depois veio a
óbito.
Além
do lettering não traduzir a verdade dos fatos, é comum na imprensa paraibana e
brasileira, a criminalização e culpabilização da mulher em casos de aborto. E
neste, a situação é ainda mais delicada, pois trata-se de uma menina de apenas
13 anos, vítima de estupro e que merece ser acolhida e respeitada diante das
brutais violências que sofreu.
Me
causou espanto também que a equipe do hospital tenha chamado a polícia. Houve
desconfiança que a menina tinha sido vítima de estupro?
Dificilmente
ou nunca se questiona o pai pelo abandono de uma criança ou pelo aborto, que em
muitas vezes, é realizado pela mulher após pressão do homem, que até compra os
medicamentos e impõe que faça o procedimento, contra a vontade dela. Sobre
isso, a mídia silencia.
Casos
de violência sexual contra meninas no Brasil têm aumentado nos últimos anos.
Pesquisa do Fórum Brasileiro de Segurança Pública revelou um crescimento de
3,7%, entre os anos de 2021 e 2022, de estupros. 56. 098 boletins de
ocorrências de violência sexual foram registrados, incluindo estupro de
vulnerável, só em 2021.
O
descaso da política de atenção às adolescentes tem sido gritante, mas a mídia
prefere fechar os olhos para essa realidade, ao invés de contribuir para o
combate à violência sexual contra meninas, a gravidez precoce na adolescência e
a descriminalização do aborto.
O
conservadorismo e os dogmas religiosos, presentes na sociedade brasileira,
também se refletem na imprensa, por meio do discurso de repórteres,
apresentadores e da linha editorial das empresas privadas de comunicação,
interditando o debate e negando uma realidade cruel no Brasil: a cultura do
estupro e os abortos clandestinos. Sim, mulheres e meninas (a maioria vítima de
estupro, pois não tem discernimento em relação a um ato sexual), fazem aborto
no país. A maioria delas é pobre e negra, e recorre a clínicas clandestinas
para fazê-lo. Reportagem da Agência Pública demonstra que o aborto
inseguro é uma das principais causas de morte materna e que as mulheres negras
são as que mais sofrem
E
enquanto a sociedade e a mídia brasileira negam ou tratam de maneira
romantizada a gravidez de meninas, o estupro de vulnerável e o aborto
acontecem, são reais.
O
depoimento da delegada à reportagem da TV Cabo Branco foi elucidativo do que
aconteceu à menina. “O medo dos pais fez com que ela tenha colocado o bebê em
um saco e jogado fora.” Choca ouvir um relato desse, e ainda mais, saber que
isso poderia ter sido evitado, se houvesse palestras sobre educação sexual nas
escolas, por exemplo, e a distribuição de métodos contraceptivos para meninos e
meninas, sem culpas e punições.
Não
consigo mensurar o sofrimento dessa menina, e enquanto não encaramos a verdade
sobre a cultura do estupro e a prática do aborto na Paraíba e no Brasil, isso
continuará a acontecer.
Infelizmente.
Ao
final da reportagem, o repórter ainda cita que “aborto é crime no país”. Mas
esqueceu de dizer que em três casos ele é permitido, é legal: em caso de risco
para a mãe, em caso de estupro e quando o feto tem anencefalia. Há ainda uma
ADPF (Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental) no Supremo Tribunal
Federal, parada desde 2018, que propõe a descriminalização do aborto até a 12°
semana de gestação. Se aprovada, permitirá que as mulheres e meninas não sejam
presas por terem feito um aborto no Brasil.
Reportagem do UOL,
publicada no dia 12 de abril, mostrou que enquanto outros países da América
Latina avançam na discussão e legalização do aborto, o Brasil está retrocedendo,
com 10 anos sem avanços.
Aborto
é uma questão de saúde pública e os dados estão aí para mostrar esta realidade.
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