segunda-feira, 23 de agosto de 2021

Um vexame e uma lição

Descrição para cegos: foto da personagem do episódio, em praça pública, concedendo entrevista. Ela usa a máscara de prevenção contra covid. Por razões éticas, em respeito à privacidade, a imagem dela foi distorcida.

Por Carmélio Reynaldo (observador credenciado)


No transcurso de uma semana, nas vozes e imagens da imprensa, uma mulher passou da condição de exemplo de honestidade para a de golpista. Entre a segunda-feira (dia 9) e até a polícia revelar, no sábado (dia 14), que se tratava de uma ação para comover pessoas e arrecadar dinheiro, sua história, da forma como foi propagada, prestou-se à renovação da fé na humanidade.

Lamentável que o jornalismo tenha o hábito de buscar esses bons exemplos e, quando se depara com um deles, apressa-se para divulgá-los, mesmo que, no novelo da narrativa, sejam perceptíveis inúmeras pontas soltas a impedir o fluxo da linha da coerência. 

Confesso que não dei muita atenção à matéria que anunciava o ato de desprendimento daquela mulher, mas achei a história mal contada. Ambas narrações – da personagem e do jornalismo – me pareceram mal feitas. O relato da diarista que achara o dinheiro, era desculpável, pois, construir narrativas coerentes com a realidade, com habilidade para que pessoas alheias ao episódio sintam-se satisfatoriamente esclarecidas, faz parte do ofício do jornalista. Isso é ensinado a eles em todas etapas da formação e, no exercício da profissão, praticado diariamente. 

Deixo claro que não defendo uma postura de desconfiança perante a história de alguém que se mostrava tão bem intencionada, que parecia somente desejar fazer o bem. Desconfiar, a priori, é como considerar alguém culpado até prova em contrário. Mas aceitar a narrativa carregada de incoerências vinda de uma única fonte, justamente aquela que se beneficia com a divulgação da reportagem, contribui para o descrédito do jornalismo, como ocorreu: o que parecia apenas uma matéria mal apurada resultou em um vexame constrangedor.

O jornalismo precisa apurar, não se satisfazer com a primeira versão, principalmente quando, a essa versão, faltavam elementos para sustentá-la: muito dinheiro em cédulas numa bolsa largada num banco de praça, por uma pessoa que não atendia as chamadas para o telefone que ela própria divulgara numa rádio, apelando para achar a bolsa perdida.

É a apuração criteriosa, aliada aos filtros do processo de construção da edição, que faz a diferença entre o jornalismo e o boato propagado irresponsavelmente nas redes sociais. 


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