sexta-feira, 15 de outubro de 2021

Qual o papel da imprensa na cobertura de casos de violência contra as mulheres?

Descrição para cegos: foto mostra um laço de fita com pontas cruzadas, sobre uma velha tábua.

por Mabel Dias (observadora credenciada)

Causa-me preocupação quando leio manchetes como essa, publicada em sites da imprensa paraibana: “Mulher é morta após solicitar medida protetiva contra ex-marido na Paraíba.” A notícia foi publicada no dia 11 de outubro, no portal T5, um dia após o feminicídio de Luciana Pereira da Silva, que aconteceu na cidade de Tavares, interior da Paraíba.

Com a existência das redes sociais, sabemos que é comum as pessoas lerem apenas o título das notícias e reportagens. Hoje, nem sequer se procura mais por sites jornalísticos para se informar. As plataformas digitais ocuparam o espaço antes destinado ao jornalismo, e isso é bem preocupante.

Nesse sentido, é muito importante que os jornalistas e os meios de comunicação assumam a responsabilidade social e prezem pela ética jornalística ao noticiar casos de violência contra as mulheres. Isso deve começar pela titulação dessas matérias.

Sabemos que a mídia influencia a formação da opinião pública, e quando a leitora ou o leitor depara-se com um título como esse, intui imediatamente que a culpada pelo feminicídio de Luciana Pereira da Silva foi a medida protetiva, e não o machismo do seu ex-marido, Elenildo Carlos da Silva, que não aceitava o fim do relacionamento.

Aliás, em nenhuma das reportagens, a palavra machismo foi mencionada, nem houve contextualização sobre este grave fenômeno social, que é a violência de gênero, como bem pontua a professora Lourdes Bandeira. Tão pouco buscou-se saber as mulheres que estão vivas, após solicitarem medidas protetivas.

A manchete se repetiu com essa mesma conotação, no portal G1PB, propriedade da Rede Paraíba de Comunicação e no perfil do Instagram do jornalista Hyldo Pereira, que está em segundo lugar no ranking “dos influenciadores do jornalismo mais popular”, segundo pesquisa do DataVox, publicada pelo portal PB Agora, no dia 2 de setembro de 2021. Detalhe: a pesquisa está relacionada a sites e blogs que os paraibanos e as paraibanas mais lembram “quando o assunto é ficar bem informado” e o jornalista em questão possui um perfil numa rede social, e não um site ou um blog. Mesmo assim, sua influência é significativa, e, desta forma, foi lembrado, fazendo-o ocupar o segundo lugar nesse ranking. O que aumenta a responsabilidade dele quando for publicar notícias que envolvam crimes contra as mulheres.

Voltando ao tema principal deste artigo, qual o papel da imprensa na cobertura de casos de violência contra as mulheres? Segundo o dossiê sobre feminicídio, publicado pelo Instituto Patrícia Galvão, referência no monitoramento da mídia brasileira em relação às coberturas que tratam de temas sobre as mulheres, “a imprensa possui um papel estratégico na formação da opinião e na pressão por políticas públicas e pode contribuir para ampliar, contextualizar e aprofundar o debate sobre a forma mais extrema de violência de gênero: o feminicídio.”

Ítalo de Lucena, apresentando o telejornal JPB1, da TV Cabo Branco (da mesma empresa que o portal G1PB) no dia 12 de outubro, após a exibição da reportagem sobre a violência praticada contra Luciana Pereira pelo ex-marido, ressaltou a importância da denúncia por parte das mulheres que estejam sofrendo violência de gênero e das medidas previstas na Lei Maria da Penha para protegê-las.

A notícia publicada no Portal T5, ao final do texto, cita também a importância de as mulheres denunciarem, como também, informa os telefones onde elas ou pessoas que saibam de alguma mulher que esteja sofrendo violência possam denunciar.

Mas, como frisei no início do artigo, as pessoas leem apenas a manchete, e dificilmente, clicam no link e leem o texto. Dessa forma, os comentários publicados em duas das redes sociais mais acessadas para “se informar”, Facebook e Instagram, eram de reprovação à medida protetiva, prevista na Lei Maria da Penha, tanto de mulheres quanto de homens. Reproduzo alguns no final deste artigo. 

Se as notícias sobre o feminicídio de Luciana Pereira da Silva tinham como objetivo denunciá-lo e fazer com que as autoridades agissem para prender o assassino, resultaram em desestímulo às mulheres paraibanas, que estejam sofrendo neste momento violência de gênero, a denunciar o agressor e buscar ajuda.

Nos anos 90, o movimento feminista da Paraíba realizava incidência política sobre os meios de comunicação, principalmente os jornais impressos, e conseguiu reverter a cobertura sensacionalista e machista que alguns jornais faziam sobre os assassinatos de mulheres. Dois deles foram os de Cristina Pereira e Márcia Barbosa. Esta atuação está bem documentada no livro Mulheres em Pauta: Gênero e Violência na Agenda Midiática, de autoria da professora Sandra Raquew Azevedo. 

Parece que com o surgimento de programas policialescos e o crescimento do conservadorismo, os meios de comunicação estão esquecendo-se de sua importante função na sociedade, o de informar objetivamente, de maneira crítica e responsável, fazendo com que a sociedade reflita sobre o porquê do crescimento de feminicídios na Paraíba e cobrar do Estado ações para pôr fim a um crime tão hediondo. 

Em um dos trechos do Dossiê Feminicídio, do Instituto Patrícia Galvão, diz que “o jornalismo pode contribuir para a promoção de debates mais aprofundados sobre as raízes das violências contra as mulheres e a importância de uma educação que aborde a igualdade de gênero e o respeito à diversidade e aos Direitos Humanos”. 


Descrição para cegos: print de comentários em rede social, com nome e foto do perfil manchados para evitar identificação. Um deles diz: "Mas não disseram que era só denunciar?" Outro afirma: "Quando eu falo da ineficácia das medidas protetivas no Brasil... é um absurdoooo". Mais um reforça: "Leis brasileiras sendo as leis brasileiras, mesmo que nada." E por fim, doze emojis com expressão de choro.

Descrição para cegos: print de um comentário em rede social, com nome e foto do perfil manchados para evitar identificação. Diz: "Pra ser sincera, eu não vejo nada de bom esse negócio de medidas protetivas. Isso não serve de nada pra nós mulheres. É revoltante!!!". Em seguida, quatro emojis de cara raivosa.

Descrição para cegos: outro print de comentários em rede social, com nomes e fotos do perfil manchados para evitar identificação. O primeiro diz: "Se a polícia tivesse prendido assim que ela denunciou, estaria viva, mas sabemos que não funciona assim, é só denunciar, é o que dizem". Em seguida, outro comentário diz: " medida deveria servir para proteger né? Brasil, até qdo?" Outro comentário diz: "Protege nada, há não ser a vítima fosse morar em outro estado, pq papel não salva ninguém nao" . Outro comentário: "É só denunciar, literalmente e mais nada. Meu Deus." O último comentário diz: "Não adiantou e ela perdeu a vida", seguido por dois emojis com cara de choro.

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