sexta-feira, 14 de junho de 2024

OBSERVATÓRIO DEBATE

Jornalismo e Literatura na Paraíba: uma relação muito ocasional

Descrição para cegos: foto mostra participantes da entrevista em uma mesa retangular, ocupando os lados maiores. No da direita estão Antonio Mariano e André Aguiar; no da esquerda, Joana Belarmino e Romarta Ferreira. Sobre a mesa, quatro microfones, copos e garrafas com água. Ao fundo, vê-se uma TV que exibe a marca do Observatório

Literatura Paraibana e Cobertura Jornalística: existe visibilidade na imprensa para a produção local na literatura? Este foi o mote central do “Observatório Debate” desta semana, em programa que subiu ao canal do OPJor na última quarta-feira à tarde.

Conduzido pela professora Joana Belarmino, o programa levou à bancada três integrantes do Clube do Conto da Paraíba: a escritora Romarta Ferreira e os escritores André Ricardo Aguiar e Antônio Mariano. Romarta e André também são jornalistas.

O debate foi alimentado por um levantamento inicial realizado nos principais portais jornalísticos, onde se constata que a Literatura quase não tem pauta na imprensa local, e quando aparece, é por meio de notas curtas, divulgação de algum lançamento, notícias que estão comprimidas nas editorias de cultura ou de arte e entretenimento.

“A relação entre a imprensa e a Literatura paraibana é ocasional, a mídia valoriza muito mais os grandes espetáculos como shows”, comentou Romarta Ferreira. Para Antônio Mariano, autor de sete livros já publicados e um em processo de publicação, a imprensa já deu mais espaço aos escritores. Lembra-se da cobertura dada ao lançamento do seu primeiro livro, “O dia em que comemos Maria Dulce”, publicado nos anos 90. Para André Aguiar, autor de dez livros publicados e com uma trajetória bem sucedida na literatura infantojuvenil, hoje os escritores apostam nas redes sociais para sua própria divulgação.

Os debatedores concordaram, entretanto, que a relação imprensa e Literatura precisa ser de mão dupla. “Os escritores precisam bater às portas da mídia e se fazerem visíveis”, disse Antônio Mariano.

Já nos portais independentes, a Literatura tem mais espaço. Romarta Ferreira lembrou do importante trabalho de divulgação de escritores locais através do Diário de Vanguarda, assim como pelo portal Paraíba Criativa, que mantém uma página dedicada à literatura paraibana

 

Correio das Artes e sua longa relação com a Literatura

Os escritores fizeram como que uma espécie de homenagem ao caderno de cultura do Jornal A União, e ao seu suplemento “Correio das Artes”, onde, afirmaram, a Literatura paraibana tem espaço relevante. Falaram da longa vida do Correio das Artes, que há várias décadas mantém-se firme no único jornal que ainda circula em modo impresso na Paraíba. Reafirmaram a importância do suplemento  para a cultura e as artes, com reconhecido valor não apenas na Paraíba, mas em âmbito nacional.

 

Jornalismo e Literatura: dois campos que se entrelaçam

O debate caminhou para as especialidades do jornalismo, e de como a Literatura e o próprio campo jornalístico estão entrelaçados. Convocados a falar enquanto leitores de jornal, destacaram a falta de grandes reportagens nos portais locais, e concordaram com a afirmação corrente no debate universitário, de que a prática da grande reportagem é importante ferramenta para dar qualidade e profundidade ao jornalismo.

André Aguiar lembrou que os acontecimentos do jornalismo diário também são um campo fértil para a narrativa literária. Mariano recordou que em um dos seus contos, o principal personagem é um jornalista.

 

Clube do Conto da Paraíba: vinte anos de amor pela Literatura

A parte final do Observatório Debate fez uma homenagem ao Clube do Conto da Paraíba, fundado nos idos de 2004, pelo escritor Antônio Mariano, a historiadora e escritora Dora Limeira, agregando depois nomes importantes da Literatura local, como Marília Arnaud, Wellington Pereira, Ronaldo Monte, Geraldo Maciel e tantos outros.

Nada foi planejado. Mas a agenda do estúdio bateu com a data de aniversário do Clube. Então a conversa fluiu solta e alegre. Vieram as recordações de Mariano, do tempo da fundação. Romarta, há quinze anos frequentando a “casa”, como ela mesma identifica o clube, trouxe os números desses vinte anos: três coletâneas publicadas e uma a caminho.

André Aguiar, que também incursiona agora pelo mercado editorial, através da editora Dromedário, falou do novo livro. “É o livro de homenagem a esses vinte anos. Estamos com uma vaquinha no Catarse, e quem cooperar não vai se arrepender”.

Segundo Aguiar, além dos 42 autores publicados, o livro trará memórias como as atas das reuniões do clube do conto, “atas que são narrativas saborosas, loucas, divertidas...”.

O Clube do Conto conta atualmente com mais de 70 integrantes. O seu capital não é financeiro. Suas vigas são o as do afeto, da convivialidade e do amor pela narrativa literária. O Clube também não tem sede própria. Reúne-se aos sábados, em local a combinar, muitas vezes no terraço da casa de Maria Valéria Rezende, a escritora premiada que integra o clube quase desde a sua fundação.

Antônio Mariano finalizou o debate lembrando os membros do Clube que já partiram. José Brenand, Geraldo Maciel, Dora Limeira, Ronaldo Monte, vidas e legados que sedimentam a força do Clube do Conto para os novos integrantes que chegam.

Clique aqui para assistir ao programa.

segunda-feira, 3 de junho de 2024

Feminicídio: imprensa paraibana ancora-se no jornalismo declaratório

Descrição para cegos: foto de tecido branco onde está pintada em letras de forma cor de sangue a frase
 “Nos queremos vivas”

Por Mabel Dias (observadora credenciada)*

Duas mulheres foram assassinadas no bairro João Paulo II, em João Pessoa, na noite de domingo (2). O autor do crime é o policial penal Osmany de Moraes Pereira, que foi candidato a vereador nas eleições 2020, pelo Avante.

A notícia foi divulgada por todos os portais de João Pessoa e da Paraíba, no entanto, a maioria não cita que o que aconteceu na casa onde moravam as mulheres, foi um feminicídio. Um desses sites, o Repórter PB, traz no título “duplo homicídio” e no lead da matéria, refere-se ao duplo feminicídio como “um trágico incidente”. Mais uma vez, o jornalismo declaratório entra em cena na mídia paraibana, e repete o que as fontes oficiais, como a polícia, informam. Não há contextualização nem questionamentos aos policiais de que o crime se trata de um feminicídio. Apenas o Paraíba Feminina, de responsabilidade da jornalista Tatyana Valéria, usa o termo feminicídio para classificar, corretamente o que aconteceu.

Os nomes das mulheres assassinadas também não são divulgados, e em alguns portais, como o G1PB, do grupo Globo, não tem a foto nem o nome do policial penal. A maioria dos portais repete o release divulgado pela assessoria da Polícia Militar. Novamente, feminicídio é tratado apenas na esfera policial e como “crise conjugal”. Nesta segunda-feira (3), o G1PB, publicou foto e os nomes das mulheres assassinadas, mas deixou para a fonte policial classificar o crime como duplo feminicídio.

O Instituto Patrícia Galvão lançou em 2016 o manual Feminicídio na Mídia, em que analisa a cobertura da imprensa sobre os casos de violência sexual contra mulheres (cisgêneras, travestis e transgêneras) e os feminicídios no Brasil. Foram analisados, durante seis meses, 71 veículos representativos das cinco regiões brasileiras. Na Paraíba, foram analisados o site MaisPB e o Paraíba Online. Em 2016, a Lei do Feminicídio (13.104/2015) já havia completado um ano e foi sancionada pela presidenta da República Dilma Rousseff. Naquele período, as pesquisadoras do manual já identificavam o silenciamento por parte da mídia sobre o uso do termo “feminicídio”, mesmo a lei já estando em vigor. O resultado da pesquisa revelou que a mídia fazia uma cobertura individualizada, factual e com enquadramento policial.

“Entre 2015 e 2016, é possível afirmar que, em relação à cobertura dos assassinatos de mulheres, prevaleciam matérias sobre a morte em si, sem informações sobre quem era aquela mulher, se já havia buscado ajuda, recorrido ao Estado para se defender de violências anteriores, se a vítima tinha medida protetiva…”

Quando as reportagens informavam que se tratava de um feminicídio, havia um romanceamento do caso, sem responsabilizar o autor do crime e apontando como causas, “ciúmes”, “violenta emoção”, “defesa da honra”, o autor estava “fora de si”, “transtornado”. É um discurso, segundo a pesquisadora Marina Sanematsu, responsável pelo manual Feminicídio na Mídia, que transfere a culpa para a mulher, por seu comportamento e atitudes.

Quando as mulheres negras são as vítimas de feminicídio, há violações de seus direitos. “Em 15% das matérias ilustradas por imagens de vítimas houve exibição de corpos – em sua maioria de mulheres negras – sem qualquer tratamento adequado. Quando isso ocorre, é importante ressaltar que, além do vilipêndio pela crueldade da morte, há a revitimização pela exposição midiática”.

Um caso que ilustra bem esta situação aconteceu em 2017, quando o periódico sensacionalista Aqui PE, do grupo Diários Associados em Pernambuco, publicou na capa do jornal impresso a foto da genitália de uma moça negra que havia acabado de ser assassinada pelo “companheiro”, em uma rua do Recife Antigo. As professoras Ana Veloso e Patrícia Paixão analisaram o caso no artigo Violações de direitos humanos na mídia: o caso Diana no Jornal Aqui PE.

Elas identificaram que o periódico reflete as relações de poder estabelecidas historicamente na mídia brasileira, reproduzindo cultural e simbolicamente, o patriarcalismo, o racismo e o classismo. A violação de direitos praticada pelo AQUI PE foi levada pelas professoras, que fazem parte do Coletivo Intervozes, ao Ministério Público Estadual de Pernambuco, que instalou um inquérito civil, e determinou uma série de medidas em relação ao jornal, como reparação pelo dano causado a moça assassinada e que teve suas partes íntimas expostas na capa do jornal; retratação publicada na capa do periódico; realização de reportagens sobre os direitos da população negra; apoio na realização de um seminário sobre direito à comunicação para jornalistas, estudantes e a sociedade em geral e a divulgação de uma campanha nas redes sociais do jornal sobre direitos humanos.

Na Paraíba, a Secretaria de Estado da Mulher e da Diversidade Humana, em parceria com o Intervozes – Coletivo Brasil de Comunicação Social, o Observatório Paraibano de Jornalismo e a Rede de Atenção às Mulheres em Situação de Violência Doméstica (REAMCAV), elaboraram um manual para a imprensa paraibana, com orientações para uma cobertura ética e humanizada dos casos de feminicídio e de violência contra as mulheres. Com um olhar atento, as entidades perceberam que o enquadramento adotado pela imprensa paraibana (TV, rádio, sites, blogs) é policialesco, omitindo informações e culpabilizando as mulheres pela violência que sofreram.

Já são nove anos que a Lei do Feminícidio existe no Brasil e que a pesquisa do Instituto Patrícia Galvão foi publicada. Nesse sentido, não é mais possível que a mídia paraibana siga omitindo a sua existência, deixando de exercer a sua responsabilidade e compromisso com o combate à violência contra as mulheres.

 *Mabel Dias é jornalista, mestra em Comunicação pela UFPB, feminista, integrante do Coletivo Intervozes, doutoranda em Comunicação pela UFPE e autora do livro “A desinformação e a violação aos direitos humanos das mulheres: um estudo de caso do programa Alerta Nacional”, da editora Arribaçã, e coleção Anayde Beiriz.