A mídia paraibana e as pessoas “matáveis”
Descrição para cegos: foto de jovem negro com a mão espalmada encobrindo o rosto. O gesto pode ser interpretado como sinal de pare. |
Por Mabel Dias (observadora credenciada)
Mais um jovem periférico foi assassinado em João Pessoa. A
mídia paraibana cumpriria um papel essencial no esclarecimento destes crimes,
no entanto, prefere repercutir apenas a fala oficial: que os assassinatos
aconteceram por causa do tráfico ou porque o jovem era usuário de drogas, sem
fazer nenhuma reflexão sobre esses acontecimentos.
Não sei vocês, mas me entristece muito saber que, quase todos
os dias, um jovem é morto na Paraíba. Jovens pretos e pobres, é bom que se
diga.
Na sexta passada, 18, mais uma violência contra a juventude
foi noticiada por programas de TV em João Pessoa. O rapaz tinha apenas 17 anos
e foi espancado até morrer. Imediatamente, me remete ao congolês Moise Mugenyi,
que também foi espancado até a morte no Rio de Janeiro, e tinha apenas 24 anos.
Assisti dois programas que noticiaram a morte do adolescente.
O Bom Dia Paraíba, da TV Cabo Branco, e o Tribuna Livre, na Arapuan. E como bem
disse o procurador da República, José Godoy, na live realizada por este
Observatório, no dia 16, é como se o envolvimento com o tráfico de drogas
justificasse estas mortes. “São pessoas matáveis”, é isso que a sociedade e até
setores que têm obrigação de evitar que isso aconteça, dizem quando um jovem
periférico negro é assassinado. Quem quiser conferir a live na íntegra, é só
acessar este link:
É como se não houvesse sonhos, projetos, uma vida que foi
destruída. ‘É usuário de drogas, é caixão ou prisão’. Não é isso que dizem,
diariamente, os “arautos da moral e dos bons costumes” nos programas “espreme
que sai sangue” na TV? Tanto a equipe do Bom Dia Paraíba quanto do Tribuna
Livre repercutiu a fala oficial de que o rapaz havia sido assassinado por ser
“usuário de drogas”. Para piorar as coisas, a transmissão era ao vivo, os
câmeras entraram no bloco onde ficava o apartamento que o rapaz morava com sua
família e mostraram o local. O repórter da Arapuan, identificado como “Águia”,
disse até o número do apartamento e o nome do prédio! Uma falta de respeito com
a dor de uma família que acabava de perder um parente e uma violação de
direitos humanos sem precedentes!
Para completar, as duas emissoras divulgaram o nome do jovem,
o que é proibido pelo Estatuto da Criança e do Adolescente. Sim, uma LEI que
protege os direitos desse público, mas que tem sido ignorada constantemente
pelos meios de comunicação na Paraíba.
Se esse crime tivesse acontecido no bairro de Manaíra ou no
Bessa, a cobertura teria sido feita dessa forma? Por que nos bairros
periféricos a vida das pessoas pobres é exposta assim?
Outra fala do procurador José Godoy, na live do OPJOR na
última quarta-feira, que também me chamou atenção foi sobre a queda de
qualidade na cobertura jornalística da Globo sobre esses casos. “Ao invés de
subir o nível, para que as outras emissoras sigam o exemplo, a Globo tem se
igualado ao nível das coberturas de outras emissoras que têm programas
policialescos na sua programação”, disse o procurador.
Sobre isso, vale a pena ler dois artigos que tratam
sobre a cópia da estética dos policialescos pelos programas jornalísticos
tradicionais.
Seguem os links:
A estética dos programas policialescos chega ao noticiário
tradicional
Caso Lázaro: narrativas de policialescos encontram eco nas redes
Mabel, a sua inteligência, perspicaz, e sua forma de analisar a nossa imprensa tirando as cascas da cebola e revelando todo racista, classismo e indiferença aos corpos abjetos, aqueles à margem, matáveis, é de suma importância pra formação dos leitores e alunos de jornalismo mais críticos. Obrigada pelo seu trabalho
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