Os detratores
Descrição para cegos: foto de uma máscara das usadas para prevenir contaminação por covid, sobre o teclado de um notebook.
Por Rubens Nóbrega (observador credenciado)
Ano passado, li em rede social e ouvi no rádio os
professores da Universidade Federal da Paraíba (UFPB) serem chamados de ‘vagabundos’
porque não dariam aulas presenciais na pandemia. Teve reprise nessa
quinta-feira (3): os mesmos ‘vagabundos’ estariam usando a nova escalada da
Covid como desculpa para não voltarem à sala de aula.
Curiosamente ou nem tanto, a infâmia partiu em 2020 de um
professor aposentado da área de Comunicação; no rádio, de dois jornalistas
ativos em programas da linha ‘popular’, ambos formados em Comunicação por
universidades públicas, entre as quais a própria UFPB. Dessa vez, eles não
cometeram ataque explícito. Usaram o deboche que os seus ouvintes devem
assimilar como ‘humor’.
Antes e agora, a ofensa indica quão desinformados e mal
formados são os detratores. Eles não sabem nem procuraram saber que durante
todo esse tempo os professores da UFPB ministraram aulas online e devem
continuar nessa lida a partir do próximo dia 21. Não devem retornar fisicamente
naquela data à sala de aula porque, prudente e precavidamente, a comunidade
universitária e seus representantes discutem se aguardam pelo menos mais 30
dias para retomar o ensino presencial, manter o online ou migrar para um
sistema híbrido. Tudo a depender, claro, da evolução ou involução da pandemia.
O mais triste de tudo isso é constatar, nesse indisfarçado discurso
de ódio ideológico, o patético desconhecimento dos autores do bombardeio acerca
da instituição na qual se diplomaram. Fica evidente também que lideranças e
dirigentes de professores, alunos e funcionários da UFPB não reagem – pelo
menos publicamente – a esses episódios. Que não são isolados nem aleatórios,
diga-se. Bem ao contrário, fazem parte de uma estratégia de guerra declarada,
como prova a artilharia pesada contra as universidades federais montada em
pleno Ministério da Educação sob o atual governo.
Sabemos todos as razões e motivos das agressões que vêm de
cima e por baixo. Enquanto isso, direção universitária, sindicatos e diretórios
estudantis da UFPB parecem não dar importância ao esforço do inimigo de
consolidar uma imagem desvirtuada da instituição, plantada e adubada ao longo
do tempo em nosso Estado por alguns dos eternos semeadores do atraso político e
social da Paraíba.
É bem verdade que a desqualificação perpetrada expõe tristemente
a ignorância de pessoas com formação universitária bancada por todos. Mas é bom
repetir: a persistência na destruição da imagem pública da UFPB e congêneres é
ato político deliberado, de autoria definida. A passividade ou indiferença dos
agredidos não ajuda no combate à ideia entranhada no senso comum de que uma universidade
não passa de um colégio de terceiro grau ou faculdade privada onde dar aula (ou
coisa parecida) costuma ser a única atividade.
Os detratores não devem saber que em uma Universidade
Pública, Gratuita e de Qualidade digna de tais qualificativos o Professor não
se limita a ensinar, presencial ou virtualmente. Professor de universidade
pública, descontadas as desonrosas exceções, faz pesquisa, coordena projetos de
extensão e estágios, orienta trabalhos de iniciação científica, dissertações de
mestrado e teses de doutorado. Depois, faz parte das bancas examinadoras dos
trabalhos de conclusão desses cursos na graduação e nos programas de
pós-graduação.
Para fazer tudo isso, o professor da universidade pública teve
que estudar anos a fio com afinco e apuro para poder passar em concurso e, uma
vez empossado no cargo, buscar qualificação acadêmica de forma contínua e
crescente para bem dar conta da sua docência. Para tanto, também pesquisa um
monte para produzir ciência, transmitir conhecimentos e publicar livros.
Diante do exposto, como gostam de dizer tribunos escolados,
perguntei a dois professores doutores da UFPB – Joana Belarmino (Comunicação) e
Flávio Lúcio Vieira (História) – se eles trabalharam ou não desde que a
pandemia “se instalou feito posseiro” em nossas vidas e mortes. Perguntei ainda
como se posicionam diante da velha acusação de que são ‘vagabundos’. Vamos ao
que responderam, comentaram e acrescentaram.
JOANA
- Fizemos tudo o que normalmente já fazíamos antes da
pandemia (ensino, pesquisa, extensão, produção científica...) E demos, claro,
aulas online. Foi e é uma coisa por vezes tão desgastante que nesse período os
alunos perderam a noção do tempo. Eu recebi consultas muitas vezes perto da
meia-noite. Além disso, em 2020 participei de uma comissão interna de avaliação
da pós-graduação, tudo online, e de congressos nacionais da nossa área.
- Nossa vagabundagem também já foi chamada de balbúrdia,
lembra? Ah, ano passado, na minha disciplina - Técnica de Reportagem e
Investigação Jornalística - os alunos produziram um livro. No outro semestre, fizeram
sete grandes reportagens.
FLÁVIO
- Todas as outras atividades (aquelas que poderiam ser
realizadas online) continuaram normalmente. Pesquisas, orientações, defesas de
trabalhos de conclusão de curso em todos os níveis... Essa gente não tem ideia
do quanto isso é frustrante. Refiro-me a trabalhar na frente de um computador.
Prefiro mil vezes dar aula vendo meus alunos, sentindo suas reações ao longo da
aula, interagindo pessoalmente.
- Uma escola é diferente de uma universidade das dimensões
da UFPB. Como fazer o controle (dos protocolos de biossegurança)? Difícil,
muito difícil. Sobretudo porque somos, professor e alunos, adultos, entre os
quais muitos negacionistas militantes. Defendi o retorno às aulas presenciais,
entre outros motivos porque sinto falta desse contato e, como a maioria das
pessoas, já estou cansado de tudo isso. Mas, hoje, só volto a fazê-lo quando a
direção da Universidade assegurar um controle rigoroso.
ALÉM DO QUE...
Em áudio enviado posteriormente ao nosso contato inicial, Flávio
Lúcio lembrou que o ensino presencial na UFPB, especialmente no Campus I, poderia
ser ministrado com os cuidados sanitários rígidos no Conjunto Humanístico
(Centros de Humanas, de Educação e de Ciências Sociais), na Central de Aulas e em
alguns blocos dos Centros de Exatas (CCEN), Saúde (CCS e Centro de Medicina) e
Tecnologia (CT) que dispõem de salas de aula amplas com janelões que podem
ficar abertos.
Ele tem razão. É bastante complicado implantar, cobrar ou
fiscalizar normas de prevenção e contenção do gênero em um campus
(particularmente o Campus I, tradicionalmente também chamado de Cidade Universitária)
onde em tempos não pandêmicos, com a Universidade funcionando ‘a plena carga’,
trabalham e circulam cerca de 15 mil pessoas por dia.
Outro complicador lembrado por Flávio: os prédios construídos na UFPB nos últimos 18 anos priorizaram ambientes fechados e refrigerados, muitos por conta de laboratórios e equipamentos com novas tecnologias da informação que devem ser operados sob baixa temperatura. Nesses locais, o coronavírus e suas variantes podem se concentrar e contaminar mais facilmente frequentadores eventuais ou habituais desses espaços.
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