sábado, 12 de fevereiro de 2022

Ricardo Coutinho barrado na Arapuan: samba de uma nota só

Descrição para cegos: foto mostra Ricardo Coutinho e o jornalista Isaías Nóbrega, de máscaras, conversando, em pé, num espaço do qual estão separados da câmera por um vidro, onde se vê o logotipo da Arapuan FM.

por Rubens Nóbrega (Observador Credenciado)

Em vídeo de larga circulação e ampla repercussão em mídias e redes sociais divulgado nessa sexta-feira (11), o ex-governador Ricardo Coutinho denunciou ter sofrido veto a uma entrevista que daria ontem por volta das 11h à rádio Arapuan FM de Patos. Ele atribuiu o veto ao empresário João Gregório, concessionário da emissora, e ao jornalista Luiz Torres, ex-secretário de Comunicação do governo Ricardo Coutinho, apresentador do programa Frente a Frente da TV Arapuan, de João Pessoa.

O vídeo foi publicado inicialmente pelo próprio Ricardo Coutinho, em seu perfil no Instagram, com a seguinte informação: “Pois bem companheiros, compartilho com vocês a censura que sofri hoje por parte de um veículo de comunicação. Vale lembrar que tratar-se (sic) de uma concessão pública. ✊⭐”. Até o meio da tarde de ontem, às 15h10, a postagem contava 1.233 curtidas e 249 comentários, a quase totalidade em apoio ao ex-governador e de repúdio à pretensa censura que ele teria sofrido na Arapuan de Patos.

No início do vídeo, Ricardo aparece sendo levado para uma conversa reservada na sede da Arapuan em Patos. Quem o conduz até uma sala envidraçada ou de tela transparente, onde se trancam, é o radialista Isaías Nóbrega, que teria comunicado de modo “constrangido” o cancelamento da entrevista minutos antes de entrar no ar para apresentar a versão local do programa Rádio Verdade. Na sequência, o ex-governador grava sua denúncia em alguma dependência da própria emissora para a qual se dirigiu na certeza de que seria entrevistado.

Além das acusações a Gregório e Torres, o ex-governador afirma que o veto seria obra de interferência da Secretaria de Comunicação do Estado (Secom), da qual o jornalista Nonato Bandeira é o titular da vez, exercendo o mesmo cargo que ocupou no primeiro mandato de Ricardo Coutinho (2011-2014). Ouvido, o secretário disse que “nem sabia” da entrevista, muito menos tinha qualquer informação sobre veto. “Assim como (não soube) das outras (entrevistas) que ele deu já em várias rádios”, completou, acrescentando: “Problema é que não repercutem os ataques gratuitos que ele faz sistematicamente a mim e ao governador (João Azevedo, sucessor de Ricardo)”.

Procurado, João Gregório atribuiu ao “destempero” de Ricardo Coutinho a versão sobre o pretenso veto. “Não houve, de forma alguma. Na verdade, já havíamos convidado Ricardo bem antes para dar entrevista, mas aqui na capital, na cabeça de rede (referência à Arapuan FM de João Pessoa, que retransmite o programa Rádio Verdade das 12 às 14h para todas as emissoras que pertencem ao grupo liderado pelo empresário).

“Tentamos ainda hoje, via Gutemberg, falar com Ricardo para agendar a entrevista para a próxima segunda-feira (14) e também explicar porque decidimos concentrar as entrevistas na capital, mas nem ele nem Amanda, sua esposa, atenderam nossas ligações”, afirmou o empresário, que enviou print de tela de aplicativo na qual aparecem registros de ligação falha e não atendida.

Descrição para cegos: print enviado pelo empresário João Gregório mostra tela de celular em que aparece o contato “Ricardo Coutinho/Amanda”, para o qual constam 3 chamadas. Na primeira, de 4 de novembro de 2020, aparece o registro “ocupado”. Os seguintes, estão marcados com a palavra “hoje” sobre duas linhas que expõem os horários de 12h16, seguido da informação ‘Falha na chamada de voz’, e 11h58, seguido da informação ‘Chamada de voz não atendida’.



SISTEMA ARAPUAN DIVULGA NOTA

No final da tarde de ontem, o Sistema Arapuan divulgou nota sobre o cancelamento da entrevista em Patos. A nota foi lida duas vezes no programa 60 Minutos (18 às 19h), apresentado em João Pessoa por Bruno Pereira. Na íntegra:

“O Sistema Arapuan de Comunicação informa que o ex-governador Ricardo Coutinho, assim como toda e qualquer figura política deste estado, não possui contra si veto de qualquer natureza para participar da programação jornalística da empresa. Tanto que o mesmo, além das entrevistas que já concedeu à Arapuan na condição de ex-governador, foi chamado pessoalmente no dia 25 de janeiro para participar de entrevista no programa Arapuan Verdade, um dos principais noticiosos do Sistema, veiculado de segunda a sexta a partir de meio dia, conforme o próprio já atestou publicamente, afirmando da impossibilidade de fazer-se presente no momento e projetando uma ocasião futura mais próxima, provavelmente nesta segunda, dia 14. Por dinâmica habitual da programação, a entrevista seria, portanto, inicialmente dada ao programa Arapuan Verdade, de João Pessoa, que é transmitido para todo o Estado, incluindo o município de Patos, sendo considerado cabeça de rede. O Sistema Arapuan lamenta qualquer insinuação contrária à realidade dos fatos e reafirma sua imparcialidade no tratamento dos fatos e figuras políticas da Paraíba e do Brasil, possuindo, reconhecidamente pela população e pela classe política, uma das mais completas e equilibradas coberturas das eleições na Paraíba”.

Também procurado para se manifestar sobre a denúncia de Ricardo, através de mensagem por zap o jornalista Luiz Torres limitou-se a dizer que “só cuida” dos programas que apresenta.

SEM OUVIR O OUTRO LADO

Sem dar voz a pessoas acusadas, denunciadas ou citadas nesse caso, como se espera de quem deve cumprir o básico do básico do jornalismo, blogueiros de João Pessoa publicaram comentários sobre a denúncia de Ricardo Coutinho. Dércio Alcântara, do Blog do Dércio (leia aqui), por exemplo, observou: “Em toda a história da Paraíba, se reviramos de trás pra frente e de frente pra trás, não encontraremos ex-governador para ter perseguido, processado e amordaçado a imprensa mais do que Ricardo Coutinho”. Adiante, qualificou o episódio como “briga de comadres”, isentando o secretário Nonato Bandeira e o governador João Azevedo de qualquer participação no suposto veto.

Flávio Lúcio Vieira, do Blog do Professor Flávio Lúcio Vieira (leia aqui), em postagem mais detalhada, deu ao seu artigo o seguinte título: “Ricardo Coutinho é comunicado de cancelamento de entrevista na porta do estúdio da Arapuan de Patos”. O blogueiro traz a confirmação do cancelamento em fala do próprio Isaías Nóbrega, que disse aos seus ouvintes ter acertado anteontem (10) com o advogado José Lacerda, para ontem, a presença de Ricardo em estúdio “para bater um papo conosco”. Em outro trecho, o radialista confessa que julgava ter “autonomia” para receber o ex-governador no estúdio da Arapuan. E arremata: “Agora há pouco, eu tive que me desculpar com o ex-governador Ricardo Coutinho, que já estava na emissora, e pedi compreensão por esse lapso e pedi desculpas por não poder tê-lo aqui conosco para a entrevista”.

Dércio Alcântara não informa em seu blog se ouviu ou tentou ouvir Ricardo Coutinho ou qualquer outra pessoa citada pelo ex-governador no vídeo. Flávio Lúcio também não informa se ouviu ou tentou ouvir o empresário João Gregório ou qualquer outra pessoa citada pelo ex-governador. A mesma linha foi adotada pelo Portal 247, de visibilidade nacional, que reproduz nota publicada pelo Blog do Tião, do jornalista Sebastião Lucena, de João Pessoa, e identifica Isaías Nóbrega como Mizael Nóbrega.

Em outros endereços da Internet, sites como o RepercutePB noticiaram o episódio sob o seguinte título e ligeiras variações sobre o mesmo tema: “VEJA VÍDEO: Ricardo Coutinho é barrado na Rádio Arapuan de Patos por ordem de João Gregório e Luís Torres, seu ex-secretário”. A matéria reproduz a denúncia de Ricardo Coutinho e não traz informação, esclarecimento ou contraponto do outro lado, ou seja, de qualquer dos denunciados pelo ex-governador.

Na mesma trilha, de não apuração e sem dar espaço às versões de João Gregório, Luiz Torres e ou Nonato Bandeira, seguiram os sites Debate Paraíba, Patos Online, HW Comunicação, Blog do BG (Bruno Giovanni), o Portal de Notícias Cofemac, de Uiraúna, Folha Patoense, Portal DNN e Portal O Dia1.

RADIALISTA PEDE DEMISSÃO

O cancelamento da entrevista do ex-governador Ricardo Coutinho à Arapuan FM de Patos levou o comunicador Isaías Nóbrega a pedir demissão da emissora, mas a empresa não aceitou o pedido. A informação foi dada pelo próprio radialista em contato conosco na manhã deste sábado (12).

Apresentador do programa no qual Ricardo seria entrevistado, ele confirmou a versão de João Gregório sobre concentrar na capital as entrevistas dos pré-candidatos ao Governo do Estado e ao Senado e relatou assim como se deu a sua participação no episódio divulgado pelo ex-governador:

"O propalado veto fica como uma compreensão distorcida do que realmente aconteceu. Antes do Sistema Arapuan adquirir as emissoras Rádio Panati Ltda, eu tinha autonomia para realizar entrevista com qualquer político; hoje, a pauta política estadual passa pela coordenação de jornalismo em João Pessoa. Isso se afirmara desde que passamos a integrar os quadros da Arapuan.

Quanto às entrevistas com as personagens locais e regionais, não há nenhuma imposição, realizo-as sem nenhuma objeção. A Arapuan centra em João Pessoa, como disse, toda pauta política como forma de verticalizar os assuntos para a TV, rádios e o próprio site.

Nesse episódio de Ricardo, no dia anterior o Dr. José Lacerda, ex-presidente do PSB local, me ligou e perguntou se em um dos nossos programas eu poderia receber o ex-governador, o que prontamente confirmei. Entretanto, minutos antes, me lembrei dessa condição da emissora e ligamos para João Gregório, que nos fez lembrar dessa regra, ressaltando ainda que o Ricardo teria entrevista nos programas da emissora na capital.

Confesso que nesses 30 anos de rádio, que se completará em junho próximo, eu me vi enfraquecido. Eu poderia ter entrevistado Ricardo e depois arcaria com as consequências... Por sua vez, João poderia deliberar em "respeito" a alguém que veste a camisa da emissora, pois somos líder de audiência nos horários que apresentamos e temos nesses horários o maior faturamento comercial da rádio.

Pedi demissão prontamente ontem e negaram. Estou avaliando se o tempo poderá suprimir esse constrangimento, muito maior a mim. Só lamento que o episódio tenha sido motivo para um ‘carnaval’ de exploração politiqueira".

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