A infância padece e, sem rede, o jornalismo mergulha de cabeça
São tantas
ocorrências de violência contra crianças que este blog já pode ser confundido
com um fórum de defesa da infância – o que não deixa de ser verdade. E vamos para
mais um caso, que foi a reportagem da TV Tambaú na manhã da segunda-feira, de uma
criança de dois anos que caiu de janela do quarto andar de um prédio em Bayeux,
na região metropolitana de João Pessoa.
Três
perguntas que editorias devem fazer quando se trata de caso envolvendo crianças
e adolescentes: qual a relevância de divulgar essa história? Se não for
veiculada, nosso público estará menos informado? Em que contribui sua publicização?
Como as perguntas não
foram feitas, o desastre aconteceu e a telejornal ultrapassou os limites da
prudência a ponto questionar o zelo da mãe por não usar tela ou grade de
proteção nas janelas do apartamento.
Embora
pretenda focar na reportagem da TV Tambaú, registro que outros veículos também cobriram
o caso de forma inadequada – o que demonstra que a imprudência e o descaso com
o Estatuto da Criança e do Adolescente é regra, não exceção. Esse estatuto proíbe
a exposição de jovens com menos de 18 anos em situação que possa causar
constrangimento presente ou futuro. Compreende-se por exposição qualquer informação
que possa levar à identificação, incluindo-se vizinhança ou parentes.
Como outras
situações recentes em que o jornalismo dispensou a rede de proteção e mergulhou
de cabeça, tanto a TV Tambaú quanto a TV Cabo Branco mostraram a mãe da criança
na delegacia, o prédio e o andar do apartamento. Esse tipo de exposição é suficiente
para identificação das vítimas (a criança e seus irmãos) nos círculos de
convivência, como na rua, no bairro, na escola, na fila da vacinação...
Quanto a questionar
a mãe pela ausência de tela ou grade de proteção na janela do apartamento, a
reportagem não considera as carências que ela enfrenta criando três filhos sozinha.
Aliás, sobre esse aspecto, recomendo a leitura do artigo A tragédia como notícia e a desfiguração da realidade, da observadora Joana Belarmino
publicado neste blog, domingo último.
Na reportagem
da TV Tambaú, choca principalmente o espaço dado a uma vizinha que ataca a mãe ao
questionar seu amor pelos filhos porque, quando chegou ao local, perguntou qual
deles tinha se acidentado e, antes de ir ao hospital, tomou banho e trocou de
roupa – procedimentos aconselhados em situação de pandemia. No final da sua
fala, a vizinha sentencia: “Isso é procedimento de mãe?” Não importa se a
indignação da entrevistada é legítima, mas levar ao ar uma fala de tal contundência,
capaz de incitar ódio contra uma mulher que cria sozinha três filhos, me leva a
perguntar: “Isso é procedimento de jornalismo?”
No final da reportagem, quando a imagem voltou para apresentadora, ela exclamou: “Não julguem a mãe”. Espero que a editoria do Tambaú da Gente Manhã tenha entendido o recado.
Excelente reflexão!
ResponderExcluirMuito importante esse alerta, meu caro. No jornalismo, o espetáculo tem valido mais que espírito humanitário.
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