segunda-feira, 19 de fevereiro de 2024

Desinformação a gente vê e ouve na Arapuan

Descrição para cegos: charge mostra três pessoas. Da esquerda para a direita, as duas primeiras estão com as cabeças cobertas por capuzes em forma de cone que remetem à organização racista Ku Klux Klan, sendo que uma traja uma túnica e carrega uma tocha acesa e a outra, um paletó e usa gravata com listas verdes e amarelas. A terceira, também de paletó, no lugar da cabeça tem o vírus da covid. Abaixo, à direita, a assinatura do autor: “JUNIÃO.org. (imagem licenciada Creative Commons – Outras Palavras)

Por Mabel Dias (observadora credenciada)

Enquanto a TV Arapuan entrevista um médico negacionista, e pergunta “se as vacinas contra a Covid estão matando...”, a TV Cabo Branco entrevista outro médico para falar sobre a importância das vacinas contra a dengue e para esclarecer à população sobre as desinformações que voltaram a circular sobre a doença no Brasil. Um quadro como esse, para desmascarar as notícias inverídicas que têm circulado, principalmente nas redes sociais, deveria ser obrigatório em todas as emissoras de TV do Brasil. No rádio também.

Engana-se quem pensa que as pessoas não se informam mais por esses meios. Estudo da Inside Vídeo revela que em 2022 mais de 79% do tempo de vídeo consumido foi direcionado à televisão. A emissora de TV ou de rádio que entrevista um médico sabidamente negligente com a vida humana e que ajudou a propagar teorias de conspiração e mentiras sobre vacinas (que ele sabe que são eficientes) presta um imenso desserviço à sociedade e vai na contramão de seus deveres, estabelecidos em leis, tornando-se cúmplice da desinformação e da violação de direitos.

As eleições municipais estão se aproximando e as mentiras (popularmente conhecidas por fake news) e outros conteúdos desinformativos continuam sendo divulgadas amplamente. Os meios de comunicação tradicionais devem entrar nesse front, inserindo quadros diários em seus programas de maior audiência sobre temas como vacinas, sejam elas sobre a Covid ou sobre a dengue, atualmente a doença mais ativa no Brasil, informando corretamente à sociedade e reparando as principais mentiras que têm circulado pelas redes e até por outros meios de comunicação tradicionais.

Dados do Ministério da Saúde, publicados pelo portal G1, revelam que no Brasil já foram registrados 521 mil casos de dengue. Recentemente, o país aprovou uma vacina para a doença, a Qdenga, que já começou a ser enviada para os municípios brasileiros com mais de 100 mil habitantes que registrem alta transmissão da doença nos últimos dez anos, informou o Ministério da Saúde.

As emissoras de TV e de rádio deveriam, então, começar a informar sobre esta vacina, que é nova, esclarecendo todas as dúvidas que as pessoas possam ter sobre ela. Eu mesma tenho algumas dúvidas sobre a Qdenga, como, por exemplo, se posso tomar a vacina. Imagina aquela senhora que mora em um local, com pouco acesso à informação, e que transformou o Zap em seu canal de notícias? Ou que assiste à Arapuan e se depara com um jornalista perguntando se a “vacina contra a Covid continua matando” e escuta um médico, uma autoridade em saúde, respondendo que “as vacinas contra a covid deixam sequelas?”

Esses mesmos meios sabem o quão foram prejudicados pelas plataformas digitais e pela própria desinformação, que causa prejuízos ao jornalismo, durante as últimas eleições brasileiras. Esses mesmos meios sabem também que foram atacados por um governo negacionista e autoritário, que descredibilizava a imprensa, ao criar seus próprios canais de comunicação para desinformar as pessoas e gerar pânico e caos sobre a covid-19 e as vacinas contra o coronavírus, como estratégia de mascarar a sua incompetência e desumanidade.

Mais de 700 mil pessoas foram mortas no Brasil por causa da inoperância do governo que retardou a compra de vacinas que salvariam milhares das vidas perdidas para a covid. Por isso, não dá para aceitar que uma emissora de TV - concessão pública, sempre é bom lembrar - conceda espaço para um médico negacionista fazer proselitismo político e contribuir com o fenômeno desinformativo que ainda assola o país.

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A Indonésia realizou quarta-feira, 14 de março, suas eleições presidenciais. De acordo com o site Desinformante, a campanha eleitoral foi marcada pelo uso de Inteligência Artificial, pelo Tik Tok e tem como favorito Prabowo Subianto, ex-ministro da Defesa, acusado por alguns dos mais atrozes crimes contra a humanidade.

Será que as TVs e rádios, concessões públicas no Brasil, vão permitir e até ajudar, mais uma vez, que um aspirante a ditador seja eleito novamente no país, dessa vez com o reforço de mentiras e montagens criadas por inteligência artificial e plataformas como o Tik Tok? A conferir.

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*Mabel Dias é jornalista, associada ao Coletivo Intervozes, observadora credenciada do Observatório  Paraibano de Jornalismo , coordenadora adjunta do  Fórum Interinstitucional pelo Direito à Comunicação (FINDAC), mestra em Comunicação pela UFPB e doutoranda em Conunicação pela UFPE. Autora do livro “A desinformação e a violação aos direitos humanos das mulheres: um estudo de caso do programa Alerta Nacional” (editora Arribaçã).

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