quarta-feira, 19 de janeiro de 2022

Sobre pesquisas eleitorais

Descrição para cegos: desenho mostra uma simulação de gráfico composto por barras cujas alturas crescem no sentido esquerda para a direita. Acima destas, uma seta acompanha essa elevação. Sobre a imagem, lê-se “pesquisas eleitorais”.

Pedro Christiano*

Recentemente, vi um famoso comentarista político começar a fazer destaques com relação a incongruências que via em algumas pesquisas eleitorais e me surpreendi ao vê-lo muito preocupado em fazer ressalvas do tipo “Eu não estou aqui criticando as pesquisas”. Fiquei então me perguntando: por que essa preocupação toda em negar o que estava evidentemente fazendo? Será que as pesquisas que vemos constantemente na televisão e nos jornais são todas perfeitas a ponto de não poderem ser criticadas? Será que são todas elas boas pesquisas que nos informam realmente o que o povo pensa? Mas afinal, que condições uma pesquisa deve satisfazer para poder ser considerada uma boa pesquisa? Além disso, uma pesquisa realizada de maneira formalmente correta realmente nos fornece uma informação precisa do que pensa a população?

Vamos tentar, se não responder a essas preocupações, pelo menos levantar alguns aspectos para ajudar o leitor a tirar suas próprias conclusões sobre o quanto deve confiar nas pesquisas que nos são apresentadas. Para isso, vamos procurar ver o que dizem alguns estudiosos sobre apenas os seguintes quatro pontos importantes das pesquisas de opinião: contratante/patrocinador, amostra utilizada, atenção do respondente e intensidade da resposta.

1. Contratante/Patrocinador

O livro de Jelke Bethelehem “Understanding Public Opinion Polls” (Entendendo Pesquisas de Opinião Pública - em tradução livre) lista os principais requisitos que devem ser satisfeitos para uma pesquisa de opinião poder ser considerada uma pesquisa de boa qualidade. Dentre eles, dois saltam aos nossos olhos, acendendo uma luz vermelha para muitas pesquisas eleitorais que temos visto serem divulgadas:

a) É a pesquisa contratada ou patrocinada por uma organização que não tenha nenhum interesse em seu resultado?

Me parece que a resposta para essa questão, no caso da grande maioria, senão todas, as pesquisas que por aqui têm sido divulgadas, é um sonoro não. Não há como negar que a mídia nacional tem sistematicamente se posicionado a favor de candidatos da direita, chegando ao ponto de omitir sistematicamente informações sobre eventos envolvendo o ex-presidente Lula** e até a fazer abertamente campanha por uma terceira via. Esse posicionamento explícito a favor de um dos lados, demonstrando o interesse em um determinado resultado, já faz com que as pesquisas de opinião contratadas ou patrocinadas por esses órgãos da grande imprensa não devam ser consideradas confiáveis.

Mas as objeções vão além disso. Como observa Justin Lewis no livro “Constructing Public Opinion: How political elites do what they like and why we seen to go along with It (Construindo a Opinião Pública: Como elites políticas fazem o que querem e porque nós parecemos concordar com isso - em tradução livre), não é evidente o que está sendo medido quando se faz uma pesquisa de opinião: se é o que realmente as pessoas pensam ou se é o poder com que certas instituições influenciam como elas pensam. E pergunta: a opinião pública significa alguma coisa por si só ou é a mera consequência de forças maiores que a cercam? Afirmam então entender as pesquisas de opinião como objetos culturais e não científicos, de modo que metodologia e precisão dão lugar a questões de representação e ideologia politica.

Já em 1948 Herbert Blumer defendia qua as pesquisas não apenas representam a opinião pública como também a fabricam. Nesse sentido, uma pesquisa de opinião pode apenas ser uma medida de quão eficientemente está sendo construída uma opinião, além de ser ela própria um instrumento dessa construção.

2. Amostra Utilizada

Um segundo requisito mencionado por Jelke Bethelehem diz respeito à parcela da população selecionada para ser entrevistada, conhecida como amostra.

b) A amostra utilizada é uma amostra aleatória na qual toda pessoa da população tem uma probabilidade positiva de seleção?

Quando consideramos as pesquisas realizadas aqui no Brasil não há como não responder a essa questão com outro sonoro não, principalmente quando nos referimos a pesquisas eleitorais, que são as mais frequentemente divulgadas. Num país como o nosso, em que o voto é obrigatório, o universo a ser pesquisado inclui todos os brasileiros acima de 16 anos portadores de título de eleitor. Estão incluídos então, desde os milionários em suas mansões, até os moradores dos barracos mais inacessíveis nas favelas mais inacessíveis, bem como moradores de rua. A amostra a ser usada na pesquisa deve ser montada a partir de uma lista que inclua todas essas pessoas e a forma como podem ser contatadas e deve ser uma reprodução, em menor escala, mas precisa, do universo a ser pesquisado. 

Nos vem a mente então a seguinte pergunta: como essas pessoas, que não têm emprego, não têm endereço registrado, não têm celulares, mas têm título de eleitor, são incluídas nessas pesquisas? Não o são, é claro. São excluídas do universo. A exclusão de um número de pessoas desse universo pela impossibilidade de serem localizadas para a entrevista, por si só já coloca importantes restrições na amostra utilizada. O mesmo problema se torna ainda maior quando a pesquisa é realizada por celular. Os eleitores que não têm celulares estão automaticamente excluídos.

Outra questão importante diz respeito ao tamanho da amostra utilizada. A decisão do tamanho da amostra, segundo nos dizem os especialistas, é feita com base no tamanho do erro que se considera aceitável. Quanto maior a amostra, menor o erro, mas mais cara será a pesquisa. Eventualmente muito mais cara. Primeiro é escolhido o erro que é considerado aceitável e, com isso, fica automaticamente determinado o tamanho da amostra a ser usada. É isso o que sempre nos é dito. O que não é dito é que isso é assim quando todos aqueles que compõem o universo a ser pesquisado têm igual probabilidade de serem escolhidos para compor a amostra, de modo que ela seja uma reprodução fiel, em menor escala, desse universo. Ou seja, quando nela estão representadas todas as variações presentes no universo a ser pesquisado, em suas devidas proporções. Evidentemente, se o pré-requisito não é cumprido, a credibilidade do resultado ficará seriamente abalada. 

 Uma vez que nos parece pouco provável que se consiga, com as dificuldades que listamos acima, construir uma amostra que realmente seja uma reprodução em menor escala do universo a ser pesquisado, cai por terra a regra de que o erro define com precisão o tamanho da amostra. Como decidir então se os tamanhos das amostras utilizadas são os mais adequados? Ora, certamente não precisamos chupar muitas laranjas para decidir se os frutos de uma determinada árvore são doces ou não, ou até mesmo de todo um laranjal. Isso porque sabemos que há uma certa uniformidade naquele universo, coisa que não ocorre na nossa sociedade. Não basta perguntar a umas poucas pessoas o que elas pensam para se concluir de que forma pensa a maioria da sociedade. Uma amostra pequena, obtida de uma listagem completa, já poderia não ser muito boa, mas quando extraída de uma listagem que exclui, por uma razão ou outra, parte da sociedade, certamente seria muito ruim.

No Brasil de hoje a maioria das pesquisas de cunho eleitoral utiliza amostras com aproximadamente duas mil pessoas. Esse é um bom número? É possível acreditar que selecionando duas mil pessoas, de uma lista que já excluiu muitas outras, podemos estar criando uma cópia fiel de nossa sociedade, com todas as suas variações? Num país continental como o nosso, com uma população de mais de duzentos milhões de habitantes, com formações culturais tão distintas como as de paulistas, gaúchos, cariocas, baianos, pernambucanos, cearenses, goianos, paraenses, amazonenses, ...das grandes, das pequenas cidades e do campo, será que nessa amostra com apenas duas mil pessoas (menos de 0,001% da população) seria possível representar em suas devidas proporções todas as variações culturais presentes na sociedade? Nos parece que Arianna Huffington, fundadora do Huffington Post tem razão quando afirma que essas amostras contém um número ridiculamente pequenos de pessoas.

Os defensores das pesquisas, da forma como são feitas, costumam argumentar que elas tradicionalmente têm acertado. Quanto a essa afirmação, cabem duas observações: em primeiro lugar, não há com o que confrontar o resultado de uma pesquisa quando ela é feita a um ano da eleição. A não ser com outra pesquisa, feita nos mesmos moldes, excluindo as mesmas pessoas e contratadas pelos mesmos grupos dominantes. Não se pode então dizer que elas acertam ou mesmo que nos forneçam uma fotografia daquele momento, como muitos ousam assegurar. Em segundo lugar é preciso considerar as pesquisas que são feitas nas proximidades das eleições. Vamos deixar de lado que algumas delas passem a usar números bem maiores do que os citados até agora, principalmente quando se trata de pesquisa de boca de urna, que também geralmente utilizam outra metodologia. Quando as previsões e os resultados coincidem, como podemos decidir se as previsões foram acertadas ou se influíram nas escolhas dos eleitores a ponto de determinar esse resultado? E quando não coincidem, podemos aceitar a explicação sempre apresentada de que houve uma onda nos últimos dias que alterou o resultado? Nesses momentos os institutos de pesquisar parecem se conformar ao dito muito frequentemente usado para atacar os economistas: amanhã eles nos apresentarão uma bela explicação de porque as previsões que fizeram ontem para hoje não funcionaram. Além disso, ocorre nesses casos o mesmo curioso fenômeno muito comum quando se observa as previsões de videntes: os acertos são sempre largamente alardeados e os erros facilmente esquecidos.

3, Atenção do Respondente

Mas não basta que a amostra seja escolhida de forma tecnicamente correta e que os contratantes da pesquisa não tenham interesse algum em seu resultado para que possamos aceitá-la como uma fotografia do que pensa a sociedade no momento, como querem nos convencer. Muitos outros fatores, alguns óbvios, como a escolha do momento em que a pesquisa é feita e a forma como o questionário a ser apresentado é construído, podem influenciar significativamente no resultado obtido. Um dos problemas que podemos citar como influenciando o resultado de uma pesquisa é o desejo de o respondente eventualmente esconder, por uma razão ou outra, suas verdadeiras preferências. Durante as fortes campanhas contra o PT nas proximidades – antes e depois – das eleições de 2014, em que uma pessoa podia ser agredida nas ruas de muitas cidades do país simplesmente por vestir uma camiseta vermelha, pode ter feito com que muitos de seus eleitores optassem por omitir sua preferência de voto, e, eventualmente, até declarando voto no adversário, simplesmente para evitarem serem ofendidos ou agredidos por pessoas nas proximidades. 

Mas vamos deixar esses “detalhes” de lado e vamos dedicar nossa atenção a dois outros pontos muito mais importantes e que deveriam ser levados em conta se realmente queremos saber qual é a posição da sociedade sobre determinado assunto. O primeiro deles diz respeito à atenção dos entrevistados com relação ao que lhes está sendo perguntado, ou seja, ao grau de conhecimento que ele tem do assunto. Esse é um fator extremamente importante porque não tem nenhum sentido perguntar a uma pessoa que não sabe nada de um determinado assunto, ou que não está minimamente preocupada com ele, o que ela pensa sobre ele. Supor que todos os entrevistados estão bem informados sobre os possíveis candidatos que lhes são sugeridos não nos parece a melhor solução. 

Esse problema das pesquisas é tão importante que Daniel Yankelovich e Will Friedman no livro Toward a Wiser Public Judgmente (Para um Julgamento Público Mais Sábio – em tradução livre) expressam a opinião de que uma pesquisa de opinião pode ser enganosa mais provavelmente porque as pessoas ainda não se decidiram sobre o assunto do que por alguma falha técnica. É claro que estavam se referindo aos Estados Unidos. Segundo Yankelovich, quando as pessoas ainda não se decidiram a respeito de um assunto, suas respostas às pesquisas não são confiáveis e vagueiam por muitas posições. Contrariamente ao que muitos acreditam, pesquisas eleitorais não nos apresentam, como costumam argumentar, o pensamento cristalizado em um dado momento, mas apenas opiniões vagas que podem mudar no próximo minuto. 

Recentemente foi divulgada uma pesquisa em que se afirmava que 44% dos brasileiros têm medo de que o país possa se tornar comunista após as eleições. A muitos esse resultado pareceu interessante, por demonstrar o posicionamento político dos brasileiros. A mim, além de causar estranheza, acendeu uma luz vermelha para as intenções por trás da pesquisa. Afinal, alguém acredita que pelo menos 10% dos brasileiros saiba o que seja o comunismo? O que então mede tal pesquisa? Querem conhecer o que pensam o brasileiro ou querem transmitir-lhe a ideia de que devem temer algo que sequer sabem o que é? Por que não fazem uma pesquisa desse tipo para tentar descobrir quantos proprietários de imóveis e de veículos temem perdê-los para os bancos? Essa certamente é uma situação muito mais próxima dos brasileiros, muito bem conhecida por muitos de nós, e que poderia fornecer resultados muito mais confiáveis.

O interesse na divulgação desse tipo de “resultado” pode estar ligado ao desejo de fixar esse temor na sociedade, associando-o a uma dada candidatura, pois, como afirma Elizabeth Noelle-Neumann (citada no livro de David Moore mencionado logo abaixo): “se as pessoas acreditam que essas opiniões são parte de um consenso, elas têm a confiança de enunciá-la tanto em discussões públicas quanto privadas, demonstrando sua convicção através de bottons, e adesivos para carros, por exemplo, como também através das roupas que usam e de outros símbolos públicos. Por outro lado, quando as pessoas sentem que são parte de uma minoria, elas se tornam cautelosas e silenciosas, reforçando então a impressão de sua fraqueza, até que o lado aparentemente mais fraco desapareça completamente, exceto por um caroço duro que se mantém fiel a seus valores prévios, ou até que a opinião se torne taboo.” Depois de ler essas palavras é difícil não pensar em como pesquisas desse tipo podem ter contribuído para a onda de opiniões estúpidas que vemos as pessoas orgulhosamente exporem nas redes.

Mas vejamos o que diz sobre esse tipo de pesquisa David W. Moore, ex-diretor do Instituto Gallup nos EUA, no livro “The Opinion Makers: An Insider exposes the Truth Behind the Polls (Os Fazedores de Opinião: Uma pessoa de Dentro Expõe a Verdade Por Trás das Pesquisas em tradução livre): “A dura verdade é que na maioria das questões políticas, uma grande proporção do público sabe pouco ou pouco se preocupa sobre o assunto, de modo que não desenvolvem nenhuma opinião significativa sobre ele. Mas as pesquisas da mídia tipicamente relevam a ignorância e apatia do público, e, em seu lugar, através do uso de questões que forçam uma escolha, arrancam algum tipo de resposta de virtualmente todos os respondentes e com tipicamente apenas uma pequena fração afirmando voluntariamente que sabem muito pouco para opinar. A mídia então trata essas respostas como se representassem julgamento sério, ao invés de noções superficiais como realmente são.

 Logo, cabe observar, mais uma vez, que não cabe a afirmação de que a pesquisa representa uma fotografia de um dado instante. Se as pessoas ainda não tomaram nenhuma decisão, principalmente por não estarem atentas ao assunto, não existe essa fotografia. Uma fotografia que realmente representasse esse momento deveria ser uma fotografia completamente fora de foco, onde não se pode determinar com precisão o que são as imagens que aparecem nela. Para que realmente possamos falar de opinião pública seria necessário que o debate das questões relevantes fosse incentivado, permitindo efetivamente aos cidadãos o conhecimento profundo das diferentes posições na disputa e a consequente tomada consciente de posição. Mas isso é exatamente o oposto do que vemos acontecer em nosso país, onde o debate é sufocado por uma legislação que restringe a propaganda eleitoral e reprime manifestações contrárias aos interesses das classes dominantes, destruindo os mecanismos que as classes menos favorecidas teriam para organizar-se, como os sindicatos, por exemplo, além de intensas campanhas na mídia defendendo sempre o mesmo lado.

4. Intensidade da Resposta

Outro aspecto muito importante para que uma pesquisa de opinião produza resultados relevantes é a necessidade de que se considere a intensidade da resposta dos entrevistados. Não se pode colocar no mesmo pé de igualdade as respostas oferecidas por aqueles que estão firmemente comprometidos com elas e aquelas que são fornecidas por aqueles para quem tanto faz uma opção ou outra .Existem exemplos na literatura em que se verifica uma mudança significativa nos resultados de uma pesquisa de opinião quando se desconsidera as respostas oferecidas por aqueles que, depois de terem respondido à questão principal, afirmam que não se importariam se o resultado fosse outro, que estariam igualmente satisfeitos. 

Isso ficou muito claro num estudo descrito no livro de David W. Moore e feito por ele e Jeff Jones em relação à invasão do Iraque pelos americanos. Em fevereiro de 2003, faltando pouco para a invasão, eles fizeram uma pesquisa em que incialmente se perguntava se a pessoa era a favor ou contra a que a invasão ocorresse. Em concordância com as pesquisas de outros institutos e com a posição claramente favorável da mídia, em campanha aberta pela invasão, verificaram que 59% dos americanos se declaravam favoráveis a ela, 38% eram contra e apenas 3% declararam não ter opinião formada. A surpresa veio com a pergunta que se seguiu a essa, que questionava se o respondente se importaria se a decisão não fosse aquela que ele havia escolhido. Nesse caso, mais da metade daqueles que haviam se declarado favoráveis à invasão disseram não se importar, o mesmo acontecendo com um quinto dos que haviam se declarado contrários à invasão. Como resultado então verificou-se que 29% dos americanos realmente apoiavam a invasão, enquanto 30% eram realmente contra. Ficou evidente então que a população americana, aparentemente majoritariamente a favor da invasão, na verdade estava completamente dividida a esse respeito, mostrando a fragilidade de pesquisas que não se dão ao trabalho de verificar a intensidade da resposta dos respondentes.

Fica então a pergunta: os pesquisadores e as empresas de pesquisa de opinião não têm conhecimento dessas críticas? Evidentemente é muito difícil acreditar que as desconheçam, mas, nas palavras de Justin Lewis, já citado anteriormente, “... entre os pesquisadores convencionais e aqueles que os contratam, as suspeitas dos acadêmicos – tanto as técnicas quanto as mais profundas - têm sido completamente desconsideradas. Pesquisas do tipo mais grosseiro são agora tão onipresentes que a política contemporânea se tornou inimaginável sem elas. Pesquisas conduzem tanto as campanhas políticas quanto a cobertura da mídia dessas campanhas. A onipresença das pesquisas de opinião não acontece sem consequências: pesquisas criam a impressão da participação pública, ao mesmo tempo em que circunscrevem a natureza limitada dessa participação.”

Mais adiante o mesmo autor afirma que “...entende as pesquisas de opinião como objetos mais culturais do que científicos. Dessa forma, questões de metodologia e precisão dão lugar a questões de representação e de ideologia política”. Vamos trabalhar um pouco melhor esta questão. Ao aceitarmos os resultados de uma pesquisa estamos, inadvertidamente, aceitando como tendo sido cumpridos uma série de pressupostos que não temos como comprovar, desde pressupostos considerados técnicos, como a já mencionada ausência de interesse nos resultados da parte de quem contrata ou patrocina a pesquisa, até à escolha da amostra, passando pela ideia de que o entrevistado não foi influenciado pelo questionário, pela forma como as perguntas foram apresentadas pelo apresentador ou por sua postura frente a elas, como também que os entrevistados estavam bem informados sobre o assunto e suas posições cristalizadas. Mas garantir que tudo isso está sendo conseguido ainda não é suficiente para garantir que a pesquisa realmente reflita a opinião pública, ao invés de operar para transformá-la. 

A espiral do silêncio

Lewis cita que Noelle-Neumann tem apresentado evidências de que as pesquisas podem ser usadas para solidificar um resultado preferido, criando o que é chamado de “espiral de silêncio”, na qual a oposição a uma ideia dominante é diminuída pela divulgação de sucessivas pesquisas, que servem como um fator de intimidação. Uma das manifestações bem conhecidas dessa espiral de silencio é o Efeito Onda, que se traduz pela transferência de suporte para candidatos apresentados como populares e bem sucedidos, com índices crescentes de preferência nas pesquisas. Isso faz com que esses índices passem por um período de grande crescimento – o que pode garantir-lhes a vitória nas eleições se o timing for o correto. Esse crescimento pode ser ainda mais marcante se estimulado por uma bem orquestrada campanha de marketing na mídia corporativa e em campanhas em redes sociais, eventualmente apoiadas por robôs, que podem fazer com que os resultados apresentados por essas pesquisas se incorporem ao discurso do público. Torna-se então insustentável questioná-los porque esse questionamento sempre partirá daqueles rotulados como perdedores pelas próprias pesquisas. Elas têm então o duplo efeito de alçar seu preferido a posições vencedoras e calar seus oponentes.

No momento vemos uma campanha intensa na grande mídia para colocar em destaque o nome de um candidato que se apresenta como possível terceira via, além da campanha pela própria necessidade de uma terceira via. Descaradamente apresentam os candidatos que estariam melhor posicionados em suas avaliações como sendo extremos opostos, desprezando cinicamente o passado de um e de outro. Até pesquisas com a exclusão dos candidatos que até então haviam se colocado como os favoritos por larga margem em pesquisa anteriores foram contratadas, para dar destaque a seu nome como terceira via. Isso tudo depois que foram realizadas longas entrevistas com ele em alguns canais de televisão e em que todos os grandes canais transmitiram ao vivo sua filiação a um partido pequeno. É evidente que toda essa visibilidade fará com que seu nome seja mais lembrado e citado. Esse interesse todo demonstrado pela mídia por um candidato que até então, nas pesquisas que ela própria divulgava, não passava de uns poucos pontos, deve fazer com que vejamos com preocupação a isenção com que as pesquisa contratadas são realizadas e divulgadas. É confiável a pesquisa eleitoral contratada ou realizada por empresas que procedem assim? Não parece evidente que o que se pretende é inflar o nome dessa pessoa para torná-la o candidato das classes dominantes e, então, tentar criar uma nova onda que o leve a vencer as eleições, como já vimos acontecer outras vezes no país?

Isto posto, deixamos ao leitor a tarefa de olhar criticamente para as pesquisas que nos são apresentadas para decidirem se devem ou não ser consideradas como expressão da verdade, se realmente mostram o posicionamento da sociedade em um dado momento ou se atendem a outros interesses.

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**Para uma apresentação detalhada de como a mídia fez campanha contra Lula e o PT na época em que Lula foi processado e preso, veja-se o apêndice da biografia de Lula escrita por Fernando Morais.

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*Pedro Christiano tem doutorado em Física pela Universidade de São Paulo. É professor aposentado da Universidade Federal da Paraíba e integrante do Coletivo Cotonetes.

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