segunda-feira, 18 de abril de 2022

Aborto: um tema interditado na mídia paraibana

Descrição para cegos: captura de imagem do telejornal JPB1 mostra peritos examinando algo no chão em uma calçada onde parece haver mato e entulho. A cena está um pouco encoberta por duas viaturas e um policial que passa entre elas. Embaixo, vê-se a cartela do programa, na qual está escrito “Mãe abandona recém-nascido”, na parte superior, e “Após parto, adolescente teria deixado o bebê dentro de uma sacola”.

Por Mabel Dias (observadora credenciada)

A palavra aborto parece ser proibida de ser pronunciada na mídia da Paraíba. Tratei sobre esse tema em outro artigo, publicado neste blog. E, novamente, o assunto vem à tona, quando a TV Cabo Branco, afiliada da Rede Globo no estado, noticiou no último sábado, o caso de uma adolescente, que segundo o lettering disposto na tela da TV, anunciava: “Mãe abandona recém-nascido.”

O que de fato aconteceu foi bem explicado pela delegada que está à frente das investigações. A adolescente, que tem apenas 13 anos e foi vítima de estupro, informou que o bebê havia nascido morto, não foi abandonado e depois veio a óbito.

Além do lettering não traduzir a verdade dos fatos, é comum na imprensa paraibana e brasileira, a criminalização e culpabilização da mulher em casos de aborto. E neste, a situação é ainda mais delicada, pois trata-se de uma menina de apenas 13 anos, vítima de estupro e que merece ser acolhida e respeitada diante das brutais violências que sofreu.

Me causou espanto também que a equipe do hospital tenha chamado a polícia. Houve desconfiança que a menina tinha sido vítima de estupro?

Dificilmente ou nunca se questiona o pai pelo abandono de uma criança ou pelo aborto, que em muitas vezes, é realizado pela mulher após pressão do homem, que até compra os medicamentos e impõe que faça o procedimento, contra a vontade dela. Sobre isso, a mídia silencia.

Casos de violência sexual contra meninas no Brasil têm aumentado nos últimos anos. Pesquisa do Fórum Brasileiro de Segurança Pública revelou um crescimento de 3,7%, entre os anos de 2021 e 2022, de estupros. 56. 098 boletins de ocorrências de violência sexual foram registrados, incluindo estupro de vulnerável, só em 2021.

O descaso da política de atenção às adolescentes tem sido gritante, mas a mídia prefere fechar os olhos para essa realidade, ao invés de contribuir para o combate à violência sexual contra meninas, a gravidez precoce na adolescência e a descriminalização do aborto.

O conservadorismo e os dogmas religiosos, presentes na sociedade brasileira, também se refletem na imprensa, por meio do discurso de repórteres, apresentadores e da linha editorial das empresas privadas de comunicação, interditando o debate e negando uma realidade cruel no Brasil: a cultura do estupro e os abortos clandestinos. Sim, mulheres e meninas (a maioria vítima de estupro, pois não tem discernimento em relação a um ato sexual), fazem aborto no país. A maioria delas é pobre e negra, e recorre a clínicas clandestinas para fazê-lo. Reportagem da Agência Pública demonstra que o aborto inseguro é uma das principais causas de morte materna e que as mulheres negras são as que mais sofrem

E enquanto a sociedade e a mídia brasileira negam ou tratam de maneira romantizada a gravidez de meninas, o estupro de vulnerável e o aborto acontecem, são reais.

O depoimento da delegada à reportagem da TV Cabo Branco foi elucidativo do que aconteceu à menina. “O medo dos pais fez com que ela tenha colocado o bebê em um saco e jogado fora.” Choca ouvir um relato desse, e ainda mais, saber que isso poderia ter sido evitado, se houvesse palestras sobre educação sexual nas escolas, por exemplo, e a distribuição de métodos contraceptivos para meninos e meninas, sem culpas e punições.

Não consigo mensurar o sofrimento dessa menina, e enquanto não encaramos a verdade sobre a cultura do estupro e a prática do aborto na Paraíba e no Brasil, isso continuará a acontecer.

Infelizmente.

Ao final da reportagem, o repórter ainda cita que “aborto é crime no país”. Mas esqueceu de dizer que em três casos ele é permitido, é legal: em caso de risco para a mãe, em caso de estupro e quando o feto tem anencefalia. Há ainda uma ADPF (Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental) no Supremo Tribunal Federal, parada desde 2018, que propõe a descriminalização do aborto até a 12° semana de gestação. Se aprovada, permitirá que as mulheres e meninas não sejam presas por terem feito um aborto no Brasil.

Reportagem do UOL, publicada no dia 12 de abril, mostrou que enquanto outros países da América Latina avançam na discussão e legalização do aborto, o Brasil está retrocedendo, com 10 anos sem avanços.

Aborto é uma questão de saúde pública e os dados estão aí para mostrar esta realidade.

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O Instituto Patrícia Galvão lançou um guia para profissionais de comunicação sobre aborto. Clique aqui para baixá-lo.

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