O racismo na (e da) imprensa
Descrição para cegos: tela de abertura do programa
no YouTube, apresentando as fotos de Edilane, Valdice, Mabel e Zulmira. Acima,
na esquerda, aparece a marca do Observatório e mais abaixo, em destaque, o
título “O Racismo na Imprensa”.
Por Zulmira Nóbrega (observadora credenciada)
O programa do Observatório Paraibano do Jornalismo (OPJOR), Observatório
Debate, exibido na última quarta-feira, (11/5/2022), no canal do YouTube do
PPJ - UFPB, teve como tema “O racismo na imprensa”.
No debate se destacaram as observações sobre o fato rotineiro de que
estamos nos deparando, nacionalmente, com notícias acerca de crimes
raciais. A notícia que repercutiu
naquele dia, por exemplo, foi um vídeo no qual uma mulher chama um jovem negro,
vendedor, de 'macaco' em discussão por conta de açaí, em Taguatinga, no
Distrito Federal. Assim, houve o entendimento entre os debatedores sobre a
violência racista que não para, além de manter uma escalada sem fim, conforme
os contínuos noticiários de práticas de tal tipo de crime.
Mas quando os crimes de racismo partem da imprensa? do jornalista?
Aqui na Paraíba, há três semanas, durante a transmissão radiofônica da partida
de futebol entre as equipes do Campinense e do Souza, o locutor comentou que o
jogador Douglas Lima, do Campinense, “não poderia cabecear a bola porque seu
cabelo não permitia”, fala que foi naturalizada pelos colegas de bancada, entre
risos. Percebemos que casos como estes, de injúrias raciais têm sido noticiados,
com o agravante não haver desdobramentos do caso, as devidas apurações do crime
e em consequência a impunidade dos jornalistas.
A veiculação desses tipos de notícias, então, permanece restritas aos
lamentos em notas de estúdios enunciadas por apresentadores, o que perpetua a
desigualdade, a injustiça, o autoritarismo e os preconceitos
Nosso OPJOR, diante dos tristes e preocupantes episódios, convencido
de que a construção da cidadania plena passa, necessariamente, pela obtenção da
igualdade racial, com as devidas contribuições de diferentes categorias
profissionais da comunicação, particularmente de nós jornalistas, propõe que
haja um forte movimento no sentido de combater o racismo midiático.
Nesse sentido, no programa de quarta-feira, para debater o tema de maneira
profunda e esclarecedora, contamos com a participação de duas atuantes profissionais,
também ativistas da luta pela igualdade racial: a jornalista Valdice Gomes,
ex-presidenta do Sindicato dos Jornalistas de Alagoas, ex 2ª Vice-presidenta da
Federação Nacional dos Jornalistas (Fenaj), fundadora da Comissão de Jornalistas
pela Igualdade Racial (Cojira) em Alagoas e integrante do grupo que fundou a
Conajira, Comissão Nacional de Jornalistas pela Igualdade Racial. Também a
jornalista Edilane Ferreira, mestranda do Programa de Pós-Graduação em Estudos
da Mídia na Universidade Federal do Rio Grande do Norte, assessora do Governo
do Estado da Paraíba e editora-chefe do Portal Paraíba Já e do blog Contrapoder,
com passagens pela TV Miramar, TV Master, TV Correio, Jornal Correio, Rádio Santa
Rita FM, Botafogo Futebol Clube, Jornal Já Paraíba e Jornal A União. A
representação do OPJOR ficou por conta da jornalista Mabel Dias.
Tratou-se de um abrangente e lúcido debate, ao expor um crônico campo
profissional jornalístico racista e misógino. Ouvimos das colegas convidadas
depoimentos muito fortes e esclarecedores sobre o racismo que sofreram dentro
de suas atividades de jornalistas, conforme revelou Edilane, “Na época eu não
tinha consciência do que era racismo [...] fui vítima de racismo, mas de
colegas.” Edilane conta que sofreu boicote, seus textos eram colocados como
“mal escritos” e que até mesmo a sua roupa era vista como inadequada, mesmo que
estivesse no padrão da época e igual a das demais colegas. “Muitas vezes eu me
trancava no banheiro para chorar”, revelou.
Os desafios para uma mulher negra, mãe solteira como Edilane, realizar
um curso superior são enormes, atingir o mercado de trabalho é um desafio
maior, ascender a um cargo de chefia é praticamente impensável, tanto que a
jornalista ao conseguir seu primeiro cargo de comando se deparou com um novo
desafio, a baixa remuneração. “Eu pensei que iria receber um salário de 3 mil
reais, como era pago ao meu antecessor no cargo, mas passei a receber um
salário-mínimo”, explica Edilane.
Valnice, por sua vez, ao falar da perspectiva de ter integrado
Comissão Nacional de Jornalistas pela Igualdade Racial, explicou que se deparou
com a realidade dos jornalistas negros não ter acesso aos cargos de chefia e
nem às atividades de assessorias de imprensa, porque as empresas “não querem
associar seu nome a questão da negritude e assim tornam os jornalistas negros
totalmente invisibilizados.” Para Vanice, essas atitudes racistas se refletem
na produção de pautas, “Nunca vai entrar as pautas que nos dizem respeito”,
explica.
Vanice também tratou da pesquisa “Perfil Racial da Imprensa Brasileira”, destacando que a quantidade de
jornalistas negros nas redações é quase três vezes menor do que a de
profissionais da mesma categoria autodeclarados brancos, os quais somam 77,6 % do
quadro geral de jornalistas do Brasil, restando aos negros e pardos apenas 20,1%,
aos amarelos 2,1%, e aos indígenas 0,2%.
Vanice interpreta que os dados da pesquisa revelam como são perversos
os ambientes de produção jornalística no país. “A gente falava dessas
situações, mas não tínhamos as pesquisas. Nós sentíamos na pele”, explica.
Mabel Dias, observadora do OPJOR, aponta que a discussão da temática
pelo programa Observatório Debate tocou em muitas feridas dos jornalistas
negros que atuam ou já atuaram em redações, além de apontar para a necessidade
de aprofundarmos cada vezes mais as discussões sobre a temática que, ao ser objeto
de apreciações, revela haver ausência de suas problematizações.
O racismo na imprensa, inclusive como uma questão intrínseca às
redações, é realmente impiedoso, e nos leva trazer à baila das
contextualizações possíveis o termo da psicanálise lacaniana "perversão",
ou seja, o sujeito que entende as leis, as normas, mas age contrariamente a
elas, age, portanto, na posição de negação, a exemplo do ocorrido na imprensa
paraibana no caso do jogo entre Campinense e Souza. O narrador enquanto
profissional de imprensa deve sim conhecer, ao menos, a tipificação de crime
racial, mesmo assim, o cometeu ao proferir a referida injúria.
Nenhum comentário:
Postar um comentário
Agradecemos seu comentário. Ele será publicado depois de submetido à moderação, regra adotada para evitar ofensas e spams.